Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Fracasso do governo na pandemia acentua uma urgência: acelerar a vacinação

Com sucessivos recordes de mortes diárias em decorrência da Covid-19, o retrato do Brasil é o de um país doente

Por Adriana Dias Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 25 mar 2021, 21h40 - Publicado em 19 mar 2021, 06h00

O Brasil vive, triste e inelutavelmente, uma dupla pandemia — a do novo coronavírus, multiplicada pela atávica postura negacionista do governo do presidente Jair Bolsonaro, e a econômica, alimentada pela compulsória freada das atividades, em quarentena, atalho para que o país despontasse em inglória 12ª posição no ranking das nações mais ricas do mundo em 2020, e tudo indica que poderá cair ainda mais em 2021 (leia a reportagem na pág. 32). Nos últimos doze meses, a crise sanitária impôs perdas imensas. Há, por trás da frieza da estatística, dor e sofrimento no cotidiano dos lares, e haveria como reduzi-­los. Bastaria bom senso, racionalidade e lógica na lida com o vírus.

RESULTADO - Vacinação: no Rio, queda de 20% de internações entre idosos com mais de 90 anos já imunizados -
RESULTADO - Vacinação: no Rio, queda de 20% de internações entre idosos com mais de 90 anos já imunizados – (Alexandre Schneider/Getty Images)

Covid-19 e a Vacinação

Na terça-feira 16, um ano depois da primeira morte, o país bateu um melancólico recorde: foram 2 841 mortes em apenas 24 horas, o equivalente a duas por minuto. No total, são mais de 282 000 óbitos e 12 milhões de casos. Não se trata, definitivamente, como previu Bolsonaro, de uma “gripezinha”. Desde o dia 22 de fevereiro, a média móvel de mortos, calculada a partir da ocorrência dos sete dias anteriores, não para de crescer — chegou a 1 965. O país acumula 10% das mortes notificadas em todo o mundo, mas tem apenas 3% da população global. Na semana passada, foi responsável por 20% das mortes pelo vírus no planeta. Segundo levantamento da Fundação Oswaldo Cruz, vive-se o “maior colapso sanitário e hospitalar da história”. O Distrito Federal e 24 estados estão com taxas de ocupação de leitos de UTI iguais ou superiores a 80% (quinze têm média igual ou superior a 90%). Salvam-se apenas Rio de Janeiro e Roraima, e no limite.

PRAIA CHEIA - Orla carioca no domingo 14: vida aparentemente normal -
PRAIA CHEIA - Orla carioca no domingo 14: vida aparentemente normal – (Bruno Martins/Futura Press)

É tudo inaceitável e inadmissível, a ponto de quase desautorizar a esperança promovida pela vacinação, que, se não anda como desejado, já alcançou mais de 10,5 milhões de pessoas, o equivalente a 5% da população. Haveria justificada celebração, ponto de inflexão estampado no rosto de cada um dos idosos e profissionais de jaleco já protegidos com uma ou duas doses, mas é pouco quando se olha ao redor, e os olhos alcançam Brasília.

**ATENÇÃO** NÃO REUTILIZAR ESTA IMAGEM, SUJEITO A COBRANÇA POR USO INDEVIDO**FOTO EXCLUSIVA PARA A UTILIZAÇÃO APENAS NA REVISTA VEJA**
PRAIA VAZIA - Em São Vicente, litoral paulista: isolamento draconiano – (Deividi Correa/Parceiro/Agência O Globo)

Como controlar a pandemia no Brasil

A dança das cadeiras deflagrada no domingo em torno do assento titular no Ministério da Saúde foi um retrato amargo das dificuldades fabricadas em torno do controle da pandemia. Bolsonaro chegou a convidar para o cargo a médica do Hospital Vila Nova Star e professora de cardiologia da USP Ludhmila Hajjar. Ela disse não, ruidosa e didaticamente. “Foi uma questão de divergência técnica”, afirmou a VEJA (leia a reportagem na pág. 28). Entenda-se por divergência técnica a permanente briga entre a ciência e o obscurantismo que grassa no país criado pelo capitão. Diante da negativa de Ludhmila, Bolsonaro tirou uma carta da manga, o cardiologista Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia — respeitado entre seus pares e que diversas vezes já demonstrou ser também favorável as máscaras e distanciamento. A escolha, portanto, pode significar uma mudança de rota — mas dependerá da postura do chefe. Afinal, é o quarto ministro da Saúde desde o início da pandemia. Luiz Henrique Mandetta (leia nas Páginas Amarelas desta edição) saiu porque fez o que o presidente não queria. Nelson Teich pediu o chapéu antes mesmo de ser possível saber o que pretendia. Bolsonaro fará de tudo, agora, para colar no general Eduardo Pazuello a culpa da inação. Bolsonaro já percebeu, ancorado em pesquisas, que a população quer ser vacinada — seja com a chinesa CoronaVac, seja com a britânica AstraZeneca. Nas redes sociais, mudou de postura. Eduar­do Bolsonaro postou: “Nossa arma é a vacina”. O pai apareceu de máscara, para depois tirá-la. Será difícil o jogo de transformação — se mudar de comportamento, o presidente poderá produzir descontentamento entre seus apoiadores mais radicais, que foram às ruas no domingo 14 sem proteção alguma. Contudo, antes tarde do que nunca — se conseguir inaugurar um novo modo de lidar com a pandemia, será um imenso alívio.

MUDANÇA - Biden, sempre de máscara, em oposição a Trump: contra o “pensamento neandertal” -
MUDANÇA - Biden, sempre de máscara, em oposição a Trump: contra o “pensamento neandertal” – (Chris Kleponis/EPA/EFE)

Um dos modos de entender o que o Brasil deixou de fazer, e que deveria estar fazendo para evitar o dramático momento, é acompanhar os passos dados pelo governo do presidente americano Joe Biden. Logo em seu dia inaugural na Casa Branca, ele se comprometeu a fornecer 100 milhões de doses de alguma vacina contra a Covid-19 nos 100 primeiros dias no cargo. A meta seria alcançada em apenas dois meses, ainda antes do fim de março. Depois, em cadeia nacional de rádio e televisão, anunciou a vacinação para todos os adultos americanos que assim o desejarem a partir de 1º de maio. De modo a manter de pé a promessa, envolveu-se diretamente com os executivos da Johnson & Johnson para acelerar a produção do imunizante da companhia americana, que pressupõe uma única dose. “Se todos fizerem sua parte, o país poderá festejar sua independência do vírus em 4 de julho”, resumiu. Não se trata de mera retórica, e o ritmo de fabricação e aplicações parece conduzir ao bom desfecho. O democrata sabe que sua popularidade está atrelada ao sucesso no combate da pandemia, e não por acaso resumiu todas as suas iniciativas a um “esforço de guerra”, no avesso do que preconizava Donald Trump, para quem tudo era momentâneo, e o tempo trataria de reduzir a toada de casos e mortes, como mágica improvável. Não. Os Estados Unidos contavam, até a quinta-feira 18, mais de 30 milhões de casos e 550 000 mortes, um vergonhoso recorde mundial. Atento à macabra contagem, que marcará uma geração, Biden condenou, pública e ruidosamente, a decisão dos governadores do Texas e do Mississippi — não por acaso trumpistas de quatro costados — de suspender a obrigatoriedade do uso de máscara para conter a propagação do novo coronavírus, além de erguer os muros do distanciamento compulsório. Biden classificou a suspensão de “um pensamento neandertal”. A postura civilizatória parece estar vencendo, tanto do ponto de vista da imunização coletiva quanto do comportamento da sociedade.

Mortes de Covid-19 no Brasil

Na cerimônia de entrega do Grammy, o que mais se viu, além de letras provocativas, eram cantoras, cantores e bailarinos mascarados — pode-se dizer que houve mais pano gasto para cobrir os rostos do que outras partes do corpo, e o que parece detalhe é constatação de vitória do tom adequado para a atual travessia. Nos Estados Unidos houve, ainda e sobretudo, como costura da guinada decretada por Biden, a aprovação de um pacote de 1,9 trilhão de dólares de estímulo fiscal para conter os danos econômicos provocados pela pandemia — o montante é o maior desde a Grande Depressão de 1929. Do lado dos Republicanos, é natural, foram disparadas severas críticas por aporte tão grande do Estado, mas talvez não houvesse outra saída. De todo modo, entre os defensores e os opositores, a discussão se deu em alto nível, como deve ser em situações de calamidade pública. A razão voltou a sentar no Salão Oval, e ela pode ser medida na ponta do lápis. Uma semana antes da posse, a média móvel diária de mortes por Covid-19 nos Estados Unidos era de 3 260, tendo em vista os sete dias anteriores — no Brasil, era de 981. Em 8 de março, deu-se a inversão. O Brasil apareceu na frente, com média de 1 525, ante 1 498 entre os americanos. Não é mera coincidência ou decisão do vírus. Foi resultado de uma escolha política.

Continua após a publicidade

O Brasil pede urgência, dado o volume de mortos, a saturação hospitalar e a pressão da nova variante do vírus, a P1, que circula em todo o país — estudos indicam que ela pode se espalhar em velocidade 2,5 vezes mais rápida do que o tipo comum do microrganismo. O que fazer? Manter o distanciamento social e, se for o caso, estabelecer isolamentos draconianos, como fez o governador de São Paulo, João Doria, e apostar, cada vez mais, na esperança líquida: a vacina. Considerando todos os acordos para a compra de imunizantes já fechados, o Brasil diz ter garantido 560 milhões de doses até o fim do ano com seis laboratórios e o consórcio Covax Facility. A conta inclui produtos ainda não avalizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mas o número é muito bom. Para que se vacine uma fatia de 70% da população, taxa fundamental para atingir a fase de imunidade de rebanho, são necessários por volta de 300 milhões de doses, incluindo a leva que pressupõe duas aplicações. Vê-se, portanto, que finalmente foi assegurado um volume mais do que o necessário. A folga foi adotada por outros países, de modo a controlar a distribuição, apesar de possíveis atrasos de entrega.

A velocidade de imunização, porém, é um gargalo. Até agora, com a média de 330 000 aplicações diárias, o país conseguiu administrar a primeira dose em 10,5 milhões de pessoas. É preciso acelerar o ritmo (e o sistema público de saúde consegue aumentar esse número em pelo menos cinco vezes). Com as doses necessárias e planejamento — além de um ministro favorável às agulhas —, parece haver um caminho de esperança. Basta ver, a título de confirmação das evidentes benesses da vacina, o que já se verificou no Rio de Janeiro, apesar de praias ainda cheias: entre os idosos com 90 anos ou mais, a primeira faixa etária a entrar no calendário de vacinação do governo, a taxa de internação por Covid-19 caiu 20% após pouco mais de um mês do início da campanha, em 18 de janeiro. A ciência salva — mas é fundamental que as autoridades não a boicotem.

Leia também:

  • Carta ao Leitor: O caminho perdido, entenda melhor sobre a economia do Brasil.
  • Covid 19: como os vizinhos da América do Sul tentam evitar o ‘Risco Brasil’.
  • Bolsonaro ainda não deu sinais claros de que compreende o tamanho do buraco em que se encontra.
  • Medicina Avançada: Novas tecnologias conferem a médicos, seguranças e soldados visão especial.
  • Plano de Bolsonaro para melhorar imagem já admite isolamento social total.
  • O inimigo dentro de casa: o novo embate entre o Planalto e o Coaf. 
  • Pesquisa mostra que brasileiro subestimou a pandemia e culpa Bolsonaro.

Colaboraram Mariana Rosário e Alexandre Senechal

Publicado em VEJA de 24 de março de 2021, edição nº 2730

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.