‘É doloroso e difícil’, diz Cissa Guimarães sobre aborto
Além da atriz, VEJA ouviu outras duas mulheres da capa histórica de 1997 - Arlette Salles e Vera Gimenez - para falar sobre o assunto 23 anos depois
Em 17 de setembro de 1997, a capa de VEJA trazia os relatos de mais de 80 mulheres – entre atrizes, cantoras, intelectuais, domésticas, donas de casa – que fizeram aborto. Personalidades como Hebe Camargo e Marília Gabriela se abriam com coragem sobre a dor, angústia, e os motivos que as levaram a fazer o aborto. Vinte e três anos depois, VEJA traz em sua capa da semana mais uma vez a questão do aborto – dessa vez, partindo da triste história da menina de 10 anos que foi cruelmente atacada por fazer aborto após engravidar do tio, que a estuprava desde os 6 anos de idade. A reportagem mostra que, mais de duas décadas depois daquela capa, as medidas e discussões em torno do assunto não evoluíram, ou até mesmo sofreram retrocesso.
Três mulheres que fizeram parte da capa histórica de VEJA em 1997 falam aqui sobre o atual caso da menina violentada e tecem suas considerações sobre o aborto nos dias de hoje. Apesar das diferenças entre elas, todas falaram não serem “defensoras” do aborto, mas a favor do direito da escolha da mulher. Confira:
Cissa Guimarães, 62 anos
“Eu me sinto assistindo a um filme de terror. Estamos vivendo em uma distopia. É uma situação completamente bizarra. Eu fiz um aborto, mas é uma coisa extremamente dolorosa e difícil. Nenhuma mulher quer abortar, mas toda a mulher tem o direito de fazer o que quiser com o seu corpo. E é disso que eu sou a favor. Essa menina é uma criança, ela tem apenas 10 anos, e sofreu uma violência extrema durante quatro anos da vida dela, quase metade da sua vida inteira. Eu fico perplexa com a crueldade das pessoas que vão à frente do hospital para se manifestar em nome de Deus, usando a religião, e chamam uma criança de assassina. Assassino é o homem que fez isso com ela. Cadê essas pessoas na frente da delegacia quando ele foi preso? Eu não entendo, não sei para onde estamos caminhando. Esta é a cara do momento retrógrado que estamos passando. Voltamos para a Idade Média. Obviamente, demos passos para trás ao longo dos anos. O número de estupro aumentou, o feminicidio aumentou. Eu tenho uma neta e me preocupa saber com que tipo de pessoa nós estamos nos tornando. É um momento revoltante e imensamente doloroso. Eu já chorei e rezo todos os dias por essa menina. Ela precisa de carinho neste momento, e não de mais agressões e violências. Toda a minha reverência ao doutor Olímpio Moraes Filho, que realizou o procedimento”.
Arlete Salles, 78 anos
“Eu estava ouvindo nesses dias um médico falar que acontecem casos assim com frequência e isso mexeu muito comigo. Eram mais histórias horríveis, como as dessa menina. É um absurdo haver manifestações contrárias ao aborto como aquelas, fiquei perplexa. O que está acontecendo com nossa sociedade? As pessoas chamando uma criança de 10 anos de assassina? Não queriam deixar o bebê morrer, mas então deixa a garota, que corria risco de vida, morrer? Não sou uma defensora do aborto, não é o ideal na vida de uma mulher, além de ser uma escolha dificílima. Mas uma mulher estuprada, independentemente da idade, deve ter direito ao aborto. No caso da criança, não existe espaço para dúvidas. Este é um assunto muito polêmico, sensível, até mesmo porque vivemos em uma sociedade que sempre quis ter controle da mulher. Deveria haver uma penalidade muito mais rigorosa para estupro no nosso país”.
Vera Gimenez, 70 anos
“Esse estupro da menina me destruiu. Tive uma sensação de impotência tão grande que está me fazendo muito mal. Eu fiz um aborto, mas me arrependo profundamente. Foi um momento complicado na minha vida e fiz por necessidade. Como espiritualista, sei que vou pagar por isso, sei que irei responder por isso lá em cima. Sou a favor de manter a gravidez até o final, mas também sou a favor de que a mulher possa escolher se ela quer ou não abortar. Sou de direita, votei no Bolsonaro, mas nesse assunto vou contra minha posição política. Acredito que o diálogo em torno do aborto estacionou. Não existe informação, está faltando educação sexual para os jovens e crianças. Ninguém fez nada, de 1997 para cá, que proporcione à mulher o direito de fazer um aborto se ela quiser. É uma coisa muito dolorida, que machuca a gente por dentro e por fora, não fazemos porque queremos, mas por necessidade”.