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Dubladores x IA: a batalha que demarca uma nova era do entretenimento

O uso da inteligência artificial para dublar filmes, games e séries com fidelidade espantosa provoca reação nos profissionais — mas é um avanço inevitável

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 31 mar 2024, 08h00

Meses atrás, um seriado de TV produzido em Portugal estreou nos Estados Unidos sem grande expectativa. Apesar de simpática, a comédia Vanda tinha tudo para cair na vala comum das produções em língua estrangeira no território americano, onde o público é tradicionalmente avesso a legendas e afins. Ainda assim, a série causou imenso rebu — e não exatamente por sua trama sobre uma dona de casa convertida em assaltante de bancos. A plataforma de streaming Hulu, de propriedade da poderosa Disney, enxergou na atração uma boa oportunidade de testar na surdina uma nova ferramenta de dublagem digital. Uma tecnologia, na verdade, com alto potencial disruptivo: por meio de um software de inteligência artificial, a empresa Deepdub AI executou o trabalho 70% mais rápido que a dublagem convencional por vozes humanas. Ao clonar com impressionante eficácia os timbres do atores originais, a experiência passou a mensagem: graças ao avanço tecnológico, esse nicho de mercado nunca mais será o mesmo.

O uso comercial da IA acendeu o alerta vermelho, e a série Vanda se tornou o exemplo mais eloquente de um fenômeno que deverá mudar radicalmente o lucrativo negócio da dublagem — inclusive no mercado brasileiro. Está-se diante, em resumo, da primeira grande batalha sobre o uso da inteligência artificial na indústria do entretenimento. Com potencial de reduzir drasticamente a demanda por dubladores humanos, a tecnologia despertou as reações esperadas: profissionais da área resolveram botar a boca no trombone ao redor do globo. O uso da IA foi um dos principais gatilhos da greve de atores e roteiristas em Hollywood no ano passado, e a mobilização forçou os estúdios a incluir cláusulas para proteger os atores de ter suas vozes usadas digitalmente sem a devida compensação financeira. Os dubladores também fizeram seus piquetes, exigindo proteção a seus empregos num raio de atuação que vai dos filmes e séries até aos videogames — e tem alcance global.

VERSÃO NACIONAL - Wendel Bezerra: categoria se mobiliza por empregos
VERSÃO NACIONAL - Wendel Bezerra: categoria se mobiliza por empregos (//Divulgação)

É uma luta inglória, porém: o uso da IA não só reduzirá custos, como trará benefícios a quem de fato apita no jogo — o espectador. Os pontos positivos são inegáveis: a tecnologia consegue alterar o movimento dos lábios dos atores para sincronizar com as palavras ditas em outras línguas, além de copiar o timbre de voz dos intérpretes, anunciando uma era de dublagens extremamente fidedignas — e feitas em escala e velocidade capazes de dar conta da oferta cada vez mais expressiva de títulos estrangeiros nas plataformas de streaming.

Para os dubladores, é uma ameaça existencial. Seria possível, por exemplo, fazer a voz do ator Robert Pattinson em Batman soar idêntica em português, substituindo o trabalho do brasileiro Wendel Bezerra, que fez o personagem por aqui. Dono de um estúdio do ramo, Wendel é conhecido por emprestar seu gogó a tipos pop como Bob Esponja e Goku, de Dragon Ball Z. Para ele, embora seja impossível brigar contra a tecnologia, é necessária a criação de proteções legais. “É assustador o avanço que a IA já atingiu em nosso mercado”, diz. Os profissionais brasileiros se mobilizam através do movimento Dublagem Viva — que pressiona os parlamentares em Brasília a incluir no projeto de lei 1376/2022, em debate no Congresso, garantias contra o uso “indiscriminado” da inteligência artificial. “A lei de direitos autorais assegura o pagamento para as obras exibidas nas mais diferentes mídias, mas a utilização das vozes dos atores e dubladores pela IA não está prevista nela”, explica Angela Couto, líder do movimento.

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GREVE - Protesto de profissionais americanos: luta que divide Hollywood
GREVE - Protesto de profissionais americanos: luta que divide Hollywood (David Livingston/Getty Images)

Além de ações práticas para não amargar o ocaso, os dubladores lançam mão de um argumento nobre: por mais que seja eficiente, a IA não consegue captar certas nuances da voz, nem expressar emoções de que só as cordas vocais humanas são capazes. Perdem-se, de fato, elementos como o sarcasmo e os coloquialismos de cada língua. Por enquanto, esse argumento sensibiliza uma aliada de peso: a Netflix, que segue como uma das maiores contratantes de dubladores do mundo. Dona de sucessos de audiência em diversas línguas, como Lupin, em francês, e Round 6, em coreano, a plataforma mantém parceria com 170 estúdios de dublagem, que produzem versões de seus programas em 34 idiomas. Em breve, no entanto, será difícil até para a Netflix ignorar o apelo da IA. Na esteira da Deepdub, várias startups já disputam um naco do negócio — como a ElevenLabs, que recentemente atingiu status bilionário com sua ferramenta que dubla em 29 idiomas. A batalha das vozes está apenas começando — e será ruidosa.

Publicado em VEJA de 29 de março de 2024, edição nº 2886

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