“Ignoro se Armila é dessa maneira por ser inacabada ou demolida, se por trás dela existe um feitiço ou um mero capricho. O fato é que não há paredes, nem telhados, nem pavimentos: não há nada que faça com que se pareça com uma cidade, exceto os encanamentos de água, que sobem verticalmente nos lugares em que deveria haver casas e ramificam-se onde deveria haver andares: uma floresta de tubos que terminam em torneiras, chuveiros, sifões, registros.” Assim o escritor Italo Calvino (1923-1985) imaginou, no romance Cidades Invisíveis (Companhia das Letras), um dos relatos de Marco Polo ao poderoso Kublai Khan, descendente de Gengis Khan a quem o viajante italiano serviu como uma espécie de repórter, relatando o que via em suas andanças pelo vasto Império Mongol, no século XIII. Personagem de história imprecisa, por vezes pincelada de fantasia, e por isso mesmo de alta voltagem literária, Marco Polo é a aposta da Netflix para se consolidar como plataforma não apenas de exibição, mas também de produção e lançamento de projetos grandiosos como a série sobre o explorador veneziano, que entra no ar, nesta sexta, no catálogo do serviço de streaming em todo o mundo.
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Marco Polo, a série, é mais uma produção original da Netflix, assim como a ótima House of Cards e a elogiada Orange Is the New Black. No sentido estrito, nenhuma delas é produção do serviço, já que as séries são realizadas por empresas independentes – no caso da saga do explorador italiano, quem entrou em campo foram a Electus e a Weinstein Company, dos irmãos Weinstein, poderosos produtores e distribuidores de Hollywood. Mas é a Netflix quem dá a liberdade sonhada por diretores e roteiristas, e quem investe nos projetos – a primeira temporada de Marco Polo, de dez episódios, teve o maior investimento já feito pela companhia, de 90 milhões de dólares (cerca de 240 milhões de reais).
A suntuosidade não se dá à toa. Se por um lado a Netflix quer mostrar a canais como a HBO, que também apostou pesado em sua épica Game of Thrones, que não está aqui de passagem, por outro a história de Marco Polo demandava um investimento de porte. Reproduzir um império como o que Kublai Khan comandou, e o encantamento que um mundo então completamente desconhecido pelo Ocidente poderia causar ao personagem, era um trabalho complexo, que a série realiza quase com perfeição nos primeiros episódios, dirigidos por Joachim Rønning e Espen Sandberg, os dois nomes à frente do próximo longa da franquia Piratas do Caribe – Os Mortos Não Contam Histórias, previsto para 2017.
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Com algumas liberdades – se bem que, ao falar do autor de Il Milione (no Brasil, As Viagens de Marco Polo), o livro de relatos que o veneziano ditou ao escritor Rustichello di Pisa quando estava na prisão, em Gênova, não se sabe mesmo o que é real, inventado ou aumentado -, a série narra as aventuras e desventuras do explorador italiano que percorre a rota da seda ao lado do pai até se ver refém de Kublai Khan e destinado a percorrer e retratar em uma língua que precisou aprender as terras do imperador, em meio a cenas cheias de sangue e de sexo. “No começo foi difícil, ele poderia ser apenas uma testemunha de tudo, mas se tornou um personagem importante”, diz o italiano Lorenzo Richelmy, que dá vida a Marco Polo.
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O ator, que esteve em São Paulo para divulgar a série e falou ao site de VEJA, conta que, para se preparar, viajou bastante, como Marco Polo. “Estive em todos os lugares por onde Marco Polo passou. E procurei ver as coisas como ele viu: com mente aberta e com curiosidade, porque ele nunca estava satisfeito, sempre queria ver e provar mais coisas.”
Richelmy rechaça o link feito, por parte da imprensa americana, entre a série e Game of Thrones, pelo fato de ambas contarem com muitas cenas de violência e de sexo. “São duas produções muito diferentes. Uma lida com a fantasia, outra com a história, não tem famílias disputando poder, mas impérios em guerra.” Pelas cenas de sexo, aliás, é possível dizer que a narrativa segue a história: o explorador teria de fato descrito a Rustichello di Pisa as posições sexuais que a sua viagem pelo Oriente o levou a descobrir. As sequências monumentais, com apuro na fotografia e uma trilha sonora que agregar à narrativa, nada devem às melhores séries históricas, de Roma (2005-2007), outra megaprodução da HBO, a Vikings, que a MGM atualmente produz para o History Channel.
Para além das descobertas sexuais do veneziano, porém, Lorenzo Richelmy põe em relevo seu papel de embaixador do Ocidente no Oriente. “Uma questão para Marco Polo é a relação entre Ocidente e Oriente, uma região que é conhecida e ao mesmo tempo desconhecida por nós, sempre focados em nós mesmos”, diz o ator, um bonitão de olhos verdes que nunca havia trabalhado fora da Europa e teve de aprender inglês para embarcar no projeto da Netflix. “Marco Polo se tornou próximo do homem mais poderoso do mundo naquele momento e assim foi o primeiro a estabelecer uma ponte entre Oriente e Ocidente. As pessoas iam ao Oriente para negociar, fazer dinheiro e voltar. Ele ficou lá.”
Embora diga que não tem novos projetos em inglês em vista, no momento, e que pretende permanecer em Roma, Lorenzo Richelmy aposta que Marco Polo vai ter peso em seu currículo. “Eu serei lembrado graças a essa série”, aposta o ator. Quem vir Marco Polo não duvidará.