Pelas proporções que teve, a epidemia de Aids nos anos 1980 é sub-representada no cinema. Uma contribuição francesa vem na forma de 120 Battements Par Minute (“120 batimentos por minuto”), de Robin Campillo, exibido em sessão de imprensa na manhã de hoje dentro da competição do 70º Festival de Cannes. Campillo, roteirista do vencedor da Palma de Ouro Entre os Muros da Escola (2008), de Laurent Cantet, baseou-se em suas experiências pessoais no grupo ativista ACT UP de Paris, que na época lutava contra a indiferença do governo de François Mitterrand e a resistência da indústria farmacêutica de oferecer a todos as soluções disponíveis quando havia poucas alternativas para os soropositivos.
120 Battements Par Minute se passa num tempo em que coisas hoje consideradas básicas, como o fornecimento de agulhas descartáveis e preservativos, eram motivo de luta – a Aids era vista como uma doença “de gueto”, que afetava apenas os homossexuais, e portanto carregada de preconceitos. Muitas das ações da ACT UP são espetaculares para chamar a atenção da imprensa e principalmente da televisão, num período em que não havia mídias sociais. Por exemplo, jogar bexigas com sangue falso na sede de uma grande companhia farmacêutica. Cada uma das atividades é discutida longamente em cenas cansativas em assembleias semanais dos membros do grupo – a sequência de abertura, por exemplo, são cerca de 15 minutos numa dessas assembleias. Aos poucos, as dissonâncias dentro do grupo e um vislumbre de personalidades vai aparecendo, o que é importante para distanciar a imagem de homossexuais como um bloco com cara e pensamento únicos, uma generalização tão absurda quanto dizer que todos os homens são iguais. Mas, no fim, o filme é mais o retrato de uma organização do que dos personagens, que são muito pouco explorados. Fora da assembleia, pouco se vê, a não ser quando saem para dançar ao som de house music (daí o título do longa-metragem). Adèle Haenel, a ótima atriz de A Garota Desconhecida, dos irmãos Dardenne, tem quase nada para fazer aqui.
Os únicos personagens com direito a algum aprofundamento são o radical Sean (Nahuel Pérez Biscayart) e o novato Nathan (Arnaud Valois). Os dois se apaixonam no momento mais improvável, quando a saúde de Sean se deteriora rapidamente. Mas o filme só se importa em revelar algo sobre seus passados e explorar mais a relação tão delicada da metade para o final. É como se Campillo só então percebesse que era preciso provocar algum investimento emocional da plateia, quase quando é tarde demais. O fim é tocante, com uma grande cena no apartamento de Sean que mostra a solidariedade de quem pode discordar na ação política, mas sabe muito bem o que é enfrentar o preconceito e o descaso advindo dele.
Se fosse mais parecido com sua hora final, 120 Battements Par Minute seria um grande filme, sério candidato à Palma de Ouro. Como está, por enquanto, é um concorrente forte no prêmio de atuação masculina para o argentino Nahuel Pérez Biscayart.