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Boicote ao Globo de Ouro acentua a queda de relevância das premiações

A NBC anunciou que não transmitirá o show depois de acusações de corrupção; Tom Cruise, Scarlett Johansson e até a Netflix entraram no boicote

Por Amanda Capuano Atualizado em 13 Maio 2021, 13h19 - Publicado em 11 Maio 2021, 16h09

O Globo de Ouro é um caminho quase que obrigatório até o Oscar, mas seu prestígio não anda dos melhores: na segunda-feira, 10, a rede americana NBC, que transmite a premiação nos Estados Unidos, anunciou que não veiculará a edição de 2022 em função das controvérsias de corrupção e falta de representatividade. Na fila dos boicotes, a Netflix e o Prime Video pularam do barco e não submeterão seus conteúdos para a próxima edição. A Warner Media, que tem entre seus braços a HBO, também não manterá relações com a HFPA, instituição sem fins lucrativos que organiza a premiação, até que mudanças sejam feitas. Segundo o Deadline, o ator Tom Cruise chegou a devolver as estatuetas que recebeu nos últimos anos, e nomes como Mark Ruffalo e Scarlett Johansson também se posicionaram contra a premiação. No Brasil, a transmissão feita pela TNT também deve ser suspensa, já que o canal é outro braço da Warner, que cortou relações com o prêmio até que mudanças efetivas sejam feitas: “estamos alinhados com a posição global de Warner Media”, informou o canal à VEJA, sem mais detalhes.

O pontapé da polêmica foi dado pela lista de indicados de 2021, que esnobou séries aclamadas, como o sucesso da HBO I May Destroy You, e nomeou produções no mínimo controversas, como Emily em Paris, da Netflix – o que surpreendeu até mesmo Deborah Copaken, uma das criadoras do show, segundo artigo publicado por ela no The Guardian. A premiação aconteceu normalmente, mas foi um fiasco no formato virtual. A pá de terra veio no final de fevereiro, quando o jornal L.A Times denunciou em uma extensa reportagem que a maior parte dos membros votantes – apenas 86 pessoas, o que já é problemático por si só — recebiam “mimos” de produtoras.

A reportagem ainda apontou que eles recebem da organização sem fins lucrativos quantias que podem contrariar as regras fiscais americanas, e que muitos têm a instituição e os “agrados” como principal fonte de renda – o que afeta a credibilidade da votação. Também não há sequer um negro entre os quase 90 membros, o que incendiou de vez a indústria do entretenimento, que pede por mais representatividade. Para tentar consertar o estrago, o Globo de Ouro contratou um especialista e anunciou ações para aumentar a diversidade, mas de nada adiantou para acalmar os ânimos, já que ainda não se viram mudanças na prática.

A controvérsia adiciona mais uma camada ao bombardeio de críticas que esse tipo de premiação vêm sofrendo, o que reflete também na audiência: esse ano o Oscar registrou o pior número de sua história, 59% mais baixo do que o do ano passado, que já era o menor de todos os tempos. Segundo dados do canal americano NBC, o mesmo efeito foi notado no Emmy e no Grammy, e embora a pandemia tenha o seu papel na queda, a derrocada vinha de antes — principalmente a partir de 2015, ano em que surgiu a hashtag #OscarSoWhite.

premiações
Comparação entre a audiência do Oscar, Emmy e Grammy ao longo dos anos, com queda acentuada a partir de 2015 (NBC/Reprodução)
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Na ocasião, a premiação colocou apenas atores brancos entre os 20 indicados nas quatro categorias de atuação. A situação se repetiu em 2016, quando a campanha ganhou apelo global, incluindo o boicote de nomes como Will Smith, Mark Ruffalo e o diretor Spike Lee. Para controlar os danos, a Academia de Hollywood anunciou mudanças para aumentar a diversidade, e surtiu resultado: em 2021, quase a metade dos indicados (9 de 20) nas categorias de atuação não eram brancos, e mais mulheres foram nomeadas do que em qualquer outro ano, com 70 indicações no total. Embora a audiência não tenha aumentado — ela costuma estar mais relacionada com a popularidade dos filmes concorrendo —, a reação nas redes sociais foi positiva.

O mesmo não se pode dizer sobre o Grammy deste ano. Quando as indicações foram anunciadas, em novembro do ano passado, o canadense The Weeknd, autor do bem sucedido After Hours e dono do hit Blinding Lights, a música com mais reproduções no streaming em 2020, usou as redes sociais para acusar a premiação de corrupção. Apesar do sucesso, o cantor não recebeu sequer uma indicação, e anunciou que não irá mais submeter seus trabalhos para o prêmio pela falta de transparência dos “comitês secretos” — de 1995 até a última edição, os 20 mais votados nas quatro categorias principais passavam pelo crivo de um comitê reduzido, que escolhia a lista final ao bel prazer, dando espaço a favoritismos. Depois da denúncia, a organização suspendeu os comitês para os próximos anos, mas o cantor não voltou atrás no boicote. 

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Além dele, artistas como o rapper Frank Ocean e Drake também já deixaram de submeter os trabalhos ao Grammy por não concordarem com as políticas da Academia fonográfica — Drake, por exemplo, discordou da indicação de seu hit Hotline Bling para a categoria de rap em 2016. “A única categoria que eles conseguem me encaixar é no rap. Talvez porque eu tenha feito rap no passado ou porque eu sou negro. Minhas músicas são pop, mas eu nunca ganho crédito por isso”, declarou na época.

Esse ponto, inclusive, é muito levantado pelos críticos da premiação, já que cantores negros costumam ser relegados aos prêmios secundários. Beyoncé, por exemplo, a mulher com mais gramofones, tem apenas 5 das 28 estatuetas fora das categorias de rap ou R&B, e nunca levou o álbum do ano para casa. Demitida em 2020, a ex-presidente da Academia responsável pelo Grammy, Deborah Dugan, colocou a boca no trombone em entrevista à CNN: “Em vez de tentar reformar uma instituição corrupta, vou trabalhar para responsabilizar aqueles que continuam manchando o processo de votação do Grammy e discriminando mulheres e negros”, disparou ela, dando ainda mais munição para o descrédito da premiação.

No mundo dos streamings, em que os filmes, séries e músicas são acessados com facilidade pelos expectadores, a internet deu a eles um espaço de questionamento, fazendo com que a tradição de assistir passivamente, e acatar, as opiniões dos votantes sobre o que é bom ou ruim saísse de moda. Nas redes sociais, inclusive, muitos se referem às Academias como um “clubinho” descolado da realidade — o que não quer dizer, é claro, que uma produção mereça ser indicada apenas pela repercussão popular, mas que não há mais espaço para ignorar a importância da diversidade na indústria atual. No fim do dia, cabe ao entretenimento o mote de Darwin: sobrevive o mais adaptável.

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