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As “amizades líquidas”

No mundo de hoje, está difícil manter relações duradouras

Por Walcyr Carrasco
Atualizado em 4 out 2019, 11h25 - Publicado em 4 out 2019, 06h00

Estou em um evento. Pode ser coquetel de empresa, estreia de peça teatral. Conheço alguém, engatamos uma conversa. Trocamos celular. E a promessa: “Vamos marcar um jantar”. Sinto que conquistei uma nova amizade. Ainda penso de um jeito antigo. Sou do tempo em que a gente conhecia alguém, frequentava, ia a aniversário e festinha dos filhos. Um amigo certa vez me disse: amizade verdadeira é aquela em que os dois comem um saco de sal juntos. Calma, calma! Não estou falando em engolir tanto sal a ponto de ser hospitalizado. Mas naquela amizade em que ao longo do tempo, dos anos, se totaliza o sal nos múltiplos encontros. Atualmente, se for uma pitada é muito. O futuro novo amigo nunca marca o jantar. Se insisto, ouço que “esta semana não dá, mas vamos marcar, sim”. As conversas vão sendo espaçadas. Passa um ano e não marcamos nada. De repente, alguém me diz: “Encontrei um grande amigo seu”. É a tal figura! Amizade para mim era também compartilhar a vida. Hoje em dia é mantida através de uns recadinhos de WhatsApp.

O filósofo polonês Zygmunt Bauman escreveu sobre o Amor Líquido, entre outros títulos. Ou seja, sobre as relações que hoje em dia são fluidas como a água e não sólidas como a terra. As relações humanas tornaram-se líquidas. Uma piada recorrente sobre os cariocas é que a gente conhece alguém que convida: “Passa lá em casa”. Sem dar o endereço. Mas isso se tornou válido para as pessoas em geral, não só cariocas. Expressões vagas tomaram conta da linguagem cotidiana. Tipo: “Vou te chamar pra uma pizza…”. Ou: “O próximo churrasco é por minha conta…”. Todas têm em comum o fato de que não dizem quando. Se insisto e pergunto a data, vem a resposta: “A gente vê depois…”.

“Quando alguém se diz ‘amigo’ de alguém, pode ser uma pessoa com quem conversou por quinze minutos”

Tenho orgulho: um de meus amigos, Antônio Carlos, de Marília, era meu vizinho aos 3 anos de idade. Outros são dos meus 15 anos, estudaram comigo no ensino médio. Aos 67, manter relações tão longas é uma vitória. Está difícil estabelecer relações duradouras. Todos têm agenda cheia, nunca dá tempo. Mas o próprio significado da palavra mudou. Quando alguém diz que é “amigo” de alguém, pode estar se referindo a uma pessoa com quem conversou por quinze minutos. Seria, no máximo, um “conhecido”, de acordo com meu modo de pensar. O termo amizade vale para tudo. A internet conectou as pessoas. Todas acreditam que têm centenas de amigos. Mas são apenas pessoas com quem trocam mensagens. Muitas vezes nunca se viram. Desaparecem da vida uma da outra de repente, por falta de mensagens. Pior, em um simples bloqueio. Muitas vezes, o amigo do outro lado nem existe. É fake.

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Ao longo da minha vida, tive de me adequar a muitas mudanças. Gostaria de entender por que deixamos laços afetivos reais para viver essa amizade “líquida”. Tentei discutir o tema com um “amigo” intelectual. Queria falar sobre os novos processos de relacionamento. Ele foi muito acessível. E respondeu: “Passa qualquer hora lá em casa pra conversar sobre isso…”. Lógico, também não me deu o endereço.

Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2019, edição nº 2655

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