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ABL se renova em busca de sintonia com o Brasil de hoje

Recuperada da paralisia na pandemia, a Academia Brasileira de Letras tenta diminuir a distância entre imortais e mortais

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 11 dez 2021, 08h00

Diariamente, Ferreira Gullar (1930-2016) comprava o jornal na mesma banca próxima à sua residência, no Rio de Janeiro. Qual não foi a surpresa do poeta maranhense quando, ao fim de 2014, o jornaleiro o recebeu de modo efusivo. A razão: Gullar fora eleito imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL). “Nunca fui tão cumprimentado nas ruas. Descobri que, se a consagração erudita é dada pela crítica literária, a consagração popular é dada pela ABL”, contava ele. Experiência parecida tem vivido Fernanda Montenegro. Aos 92 anos, a estrela do teatro, da TV e do cinema diz que a repercussão da entrada na ABL foi “avassaladora”. “Dos manobristas ao porteiro, escuto com frequência um ‘parabéns, você entrou para a Academia’”, disse ela a VEJA.

Alceu Amoroso Lima – Série Essencial – Academia Brasileira de Letras

Às vésperas de completar 125 anos, em julho de 2022, esse Olimpo com literatos trajando fardões continua a exercer atração inegável sobre o público. Mas eis o paradoxo: a mesma ABL que alcança tanta visibilidade popular sempre foi uma instituição movida a tradições que destoam da realidade brasileira. A casa fundada por Machado de Assis em 1897 é um clube fechado com seus rituais de beija-mão — e por décadas não viu razão para mudar. Mas nem mesmo os acadêmicos são mais imunes à modernidade: é notável constatar a intensa renovação pela qual a casa vem passando nos últimos tempos. A recente eleição de figuras pop como a própria Fernanda e Gilberto Gil é o maior símbolo das mudanças. Mas não o único.

SOB NOVA DIREÇÃO - O presidente da ABL, Merval Pereira: “Não temos cotas, nem cadeiras marcadas” -
SOB NOVA DIREÇÃO - O presidente da ABL, Merval Pereira: “Não temos cotas, nem cadeiras marcadas” – (Ana Branco/Agência O Globo)

A pandemia forçou os membros da Academia — com média de idade de 80 anos — a se desapegar da tradição de encontros pessoais: como os demais mortais, eles agora usam Zoom. Os eventos presenciais, do chá semanal que marcava as reuniões no Petit Trianon, sede da ABL, no Rio, ao ritual de despedida, batizado de Sessão da Saudade, foram suspensos em razão da Covid-19. O jeito foi se adaptar levando ao mundo virtual as solenidades de adeus e as eleições de novos membros. “Custou, mas os acadêmicos se familiarizaram com as ferramentas on-line”, diz o jornalista e imortal Merval Pereira, o novo presidente da casa.

Medeiros E Albuquerque – Série Essencial – Academia Brasileira De Letras

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A pandemia também expôs suas finanças sofríveis. Dependente do aluguel das 300 salas comerciais do Palácio Austregésilo de Athayde — anexo do Petit Trianon que se esvaziou na pandemia —, a ABL teve de passar por um ajuste drástico. O quadro de funcionários foi reduzido de 125 para 37 pessoas. Iniciada pelo presidente anterior, Marco Lucchesi, a redução limou também um “agrado” mensal aos imortais de 3 000 reais. “Nos reorganizamos e hoje temos, inclusive, superávit”, afirma Merval.

Afrânio Peixoto – Série Essencial – Academia Brasileira de Letras

Em tempos de julgamentos sumários nas redes sociais, a ABL adicionou mais um item à lista de adaptações: proteger sua própria imagem. A instituição ainda lida, por exemplo, com o estrago causado pela acusação de racismo surgida em 2018, quando a autora negra Conceição Evaristo não foi eleita. Nas últimas semanas, a inédita reposição de cinco cadeiras trouxe a chance de fazer um aceno à diversidade. A chegada de Fernanda e de Gil atende a essa diretriz. Igualdade, porém, é algo distante. Gil, ao lado de Domício Proença Filho, aumenta para dois o número de negros na casa. Fernanda será a nona na história da Academia, que só permitiu integrantes femininas em 1977.

RETORNO - Chá das quintas: o encontro foi interrompido por causa da Covid-19 -
RETORNO - Chá das quintas: o encontro foi interrompido por causa da Covid-19 – (ABL/.)

Entre os postulantes deste ano, o autor Daniel Munduruku seria o primeiro acadêmico indígena, mas perdeu para o neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho. Munduruku se candidatará novamente. “Meu caminho não foi feito até agora com medo de receber alguns ‘nãos’”, disse ele a VEJA. A quarta vaga foi ocupada pelo advogado José Paulo Cavalcanti Filho, 73. Finalmente, no próximo dia 16, será selada a disputa pela quinta cadeira, com dez concorrentes — como o advo­ga­do Sergio Bermudes e o escritor Gabriel Chalita. “Queremos representar a sociedade como um todo. Mas não temos cotas, nem cadeiras marcadas”, diz Merval.

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Agora, a meta é diminuir a distância entre mortais e imortais. Redes sociais, palestras pelo YouTube e uma incursão no mundo dos podcasts estão entre as estratégias. Apresentações teatrais e musicais também integram os planos. “A Academia não é um grupo de velhinhos tomando chá”, afirma Merval. “A cultura é parte fundamental da democracia e é nosso dever defendê-la.” Sobre o que é preciso para aproximar a ABL do público, fica a dica sábia de Fernanda Montenegro: “Abrir as portas, literalmente”.

Publicado em VEJA de 15 de dezembro de 2021, edição nº 2768

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