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‘Todo mundo pode entrar nesse lugar’, diz diretora do Museu das Favelas

Nova na instituição, Natália Cunha terá a responsabilidade de ocupar integralmente o palácio com exposições e serviços

Por Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 27 fev 2024, 14h00 - Publicado em 26 fev 2024, 08h00

Quem se depara com o Palácio dos Campos Elíseos, no centro de São Paulo, pode imaginar que esse é um espaço dedicado à história da burguesia brasileira. Bastam alguns passos para dentro dos muros que escondem o casarão, no entanto, para perceber que o local foi ocupado por quem um dia foi oprimido por ele – caixas-d’água compõem uma ativação educativa, pôsteres afro-futuristas tomam as janelas e signos da periferia se espalham por todos os cantos. Trata-se do Museu das Favelas, que ganhou em janeiro uma nova gestora – a psicóloga Natália Cunha.

Indicada pelo Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG) como nova diretora do museu, Cunha atua desde 2011 na gestão de políticas culturais. Além de passar pelo Instituto de Apoio à Cultura, à Língua e à Literatura (Poiesis), ela também atuou nas secretarias do estado e da cidade de São Paulo. 

Em meio à exposição Favela-Raiz no andar térreo, ao subsolo pronto para receber as próximas instalações e à plenas obras de manutenção dos primeiro e segundo andares, Natália recebeu a VEJA e falou sobre as expectativas da sua gestão para o estabelecimento e para a ocupação do importante espaço de resistência no centro da maior metrópole do país. Leia a seguir:

Como você se sente assumindo o cargo? Eu estou feliz e honrada de poder colocar à disposição a experiência que adquiri ao longo desses treze anos de trabalho com políticas culturais sobre um tema que para mim é muito caro. É importante pensar que agora tenho oportunidade de desenvolver um projeto que vai mostrar para as pessoas que esse lugar é delas. Dizer que o museu é das favelas é dizer que todo mundo pode entrar nesse lugar. De formação e experiência eu sou burocrata, minha veia artística está entupida, mas sou sensível, tenho escuta e procuro colocar isso à disposição, honestamente, com qualidade de gestão. Minha colaboração será nessa inteligência técnica. 

O que a sua gestão vai trazer de diferencial para o museu? Sempre tem desafios, mas como psicóloga acho que aprendi que a minha escuta passou a ficar a serviço do coletivo. Eu sempre me coloquei à disposição para dizer aos gestores o que as pessoas querem fazer de fato – ouvindo os dois lados, eu encontrava um meio-termo. Essa vai ser a minha principal colaboração. A experiência que eu tenho em projetos, governos e instrumentos diferentes me traz tranquilidade quando olho um palácio e um projeto desse tamanho. 

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Quais serão as prioridades para 2024? O projeto já existe e está encaminhado; o que nós estamos fazendo agora é ocupar o prédio integralmente. Temos diferentes tipos de ações, como as exposições em diferentes pavimentos, o projeto da biblioteca, as ativações externas. Também temos os serviços – o mais avançado e já captado é para o estabelecimento de um restaurante-escola, com residências de chefs da quebrada, que nós queremos que seja acessível e fique a serviço das favelas, da comunidade local e das nossas atividades educativas. Aqui também existe uma biblioteca especializada em favelas. Espaços como esse em museus geralmente servem à pesquisa, mas para nós não interessa ter uma biblioteca apenas para pesquisa; queremos deixar esses títulos à disposição de quem quer estudar artistas e produtores locais ou grandes nomes que falam sobre periferias. 

MUSEU DAS FAVELAS - Palácio dos Campos Elíseos: instituição está no centro da capital paulista
MUSEU DAS FAVELAS Palácio dos Campos Elíseos: instituição está no Centro da capital paulista (Luiz Paulo Souza/VEJA)

O que nós podemos esperar em termos de exposição? Acho que o fato de estarmos em um palácio antigo não quer dizer que precisamos usar ideias antigas. A expectativa é termos um diálogo com o que estiver acontecendo no momento. Uma das exposições é a do Racionais, que é um grupo de 35 anos que vai contar a sua história, mas da perspectiva contemporânea, utilizando diversas linguagens. Além dessa, as exposições itinerantes também se comunicam com territórios distintos. Não dá para esquecer, ainda, que estamos na mesma instituição que gere o Museu do Amanhã, que é o que nós temos de mais moderno e futurista. Vamos beber muito dessa fonte, mas sem nunca esquecer da história e da memória das favelas, com espaço para o analógico. 

Qual será a sua aposta para aproximar o museu, que é um ambiente novo, das comunidades e favelas que estão nas periferias? São várias estratégias que precisam ser amadurecidas. Nós precisamos fazer as duas coisas: levar o museu para lá e trazer esse e outros públicos para cá. A ideia é que a instituição se torne um espaço de referência e, para isso, precisamos, no mínimo, ter uma estética e uma narrativa bem definidas que façam as pessoas se enxergar e se sentir pertencentes. 

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O IBGE acaba de retomar o uso do termo favela em oposição a comunidades subnormais. Qual a importância desse movimento? A troca do termo é uma escolha feliz, pautada por uma pesquisa que tira a noção pejorativa que existia antes. Tem tudo a ver com o museu, porque teve um encontro aqui, chamado Favela é o Centro, que contou com a presença do IBGE, e fizemos parte da provocação para repensar o uso do termo. 

E qual a sua relação com as favelas? Hoje eu moro em uma periferia, próxima à Brasilândia, mas sempre tive experiências profissionais por conta da psicologia social.  Trabalhei com muitos públicos vulneráveis, como pessoas em situação de rua, idosos, pessoas acamadas, pessoas vivendo com HIV e aids, e sempre tive o compromisso de pensar em uma atuação em rede. Sozinhos nós não damos conta. Eu vivo essa experiência pessoalmente, porque sou uma mãe neurodivergente, tenho um filho autista, e tenho visto a cada fase da criação que essa rede precisa ser ativada o tempo todo – às vezes contratando um serviço, às vezes contando com a ajuda da minha comunidade. Isso sempre balizou os meus trabalhos. Independentemente de onde fica a minha moradia, eu sempre tive essa noção de comunidade associada à ideia de cidade. 

O museu está localizado no Centro, uma área que se relaciona com a cracolândia, uma questão crítica e histórica da cidade de São Paulo. Como vocês pretendem se relacionar com essa população? Acho que vamos pensar em tratar isso com humanidade. Nós temos uma constante formação interna para dar conta de compreender essa diversidade toda que é o entorno – estamos do lado de Higienópolis e no centro da cracolândia ao mesmo tempo. Fico pensando no que uma pessoa em uso constante de drogas procura dentro de um museu. Se for acesso a arte e cultura, talvez nós estejamos transformando uma vida. Se for qualquer outra coisa, ela vai embora. Ela precisa conseguir entrar e sair sem lesar e sem ser lesada. Institucionalmente, o museu também vem conversando com locais como os Museus da Resistência, da Língua e Afro Brasil, que vivem o mesmo dilema e com quem podemos trocar e pensar atividades conjuntas. 

Por último, nós estamos em um ano de eleições. Quais as expectativas para uma próxima gestão municipal em relação à gestão cultural e à conversa com o museu? O museu é um equipamento do Estado, que não é gerido pela cidade, mas surge a partir de uma conversa com o município. Esse é um equipamento de muita potência que conversa muito com a população paulistana, apesar de não ser representativo apenas da capital. Esperamos que possa haver um bom diálogo com os outros espaços da cidade, porque é uma rede grande, com mais de cinquenta equipamentos de cultura geridos pela Secretaria Municipal e que estão, em grande parte, no nosso entorno. Enfim, precisaremos esperar as mudanças acontecer para entender, no cotidiano, como será essa conversa. 

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