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Por que conversar com estranhos pode melhorar o bem-estar

O mundo moderno praticamente aboliu o hábito de puxar papo com desconhecidos, que viraram figuras ameaçadoras. Pesquisas mostram que isso não faz bem

Por Duda Monteiro de Barros 8 jan 2023, 08h00

No mundo menor e mais falante de antigamente, puxar conversa com estranhos era praticamente uma obrigação e passar uma corrida de táxi inteira sem dirigir palavra ao motorista pregava no passageiro a pecha de mal-educado. Aos poucos, no entanto, o desconhecido foi ficando distante, desinteressante e até ameaçador, situação expressa na rima stranger danger (estranhos representam perigo), inculcada na cabeça das crianças nos Estados Unidos através de livros, filmes e conselhos de pais e professores. O normal agora é o silêncio imperar, estimulado pelo atrativo da tela do smartphone, nas filas, nos elevadores, nas salas de espera e no transporte público, um comportamento que o enclausuramento das pessoas durante a pandemia contribuiu para enraizar, ao encolher as habilidades sociais.

Hoje em dia, travar contato com alguém fora do círculo de amizades e do ambiente de trabalho é uma aventura que poucos estão dispostos a enfrentar — e isso não é bom. “Conversar com desconhecidos pode ensinar coisas novas, fazer de você um cidadão melhor, um pensador melhor e uma pessoa melhor”, ensina o jornalista americano Joe Keohane, autor de O Poder dos Estranhos, uma ampla pesquisa sobre “os benefícios de se conectar em um mundo desconfiado”.

Segundo Keohane, criar vínculos, ainda que passageiros, com desconhecidos faz o indivíduo furar a bolha de convívio usual e deparar com ideias e realidades distintas das que está acostumado. A designer carioca Júlia Sampaio, 34 anos, confessa que nunca foi do tipo que puxa assunto na fila do banco, mas aprendeu, aos poucos, que conversar com anônimos pode facilitar a vida e tornar situações muito mais prazerosas. “Adoro viajar sozinha e descobri que travar amizade com outras pessoas dá um upgrade na experiência. Fiz amigos que mantenho até hoje e sempre tento me aproximar de quem vejo que também está só”, diz Júlia. “O contato com o diferente sempre foi primordial para o desenvolvimento das culturas e sociedades. Quando você dialoga com o outro, torna-se mais empático e tolerante”, confirma o antropólogo Bernardo Conde, professor da PUC-Rio.

MEDO VENCIDO - Viajante veterana, a designer Júlia Sampaio, 34, não abordava desconhecidos para puxar conversa por achar que estaria invadindo o espaço dos outros. Mudou a postura. “As pessoas são muito mais solícitas do que eu pensava”, diz. -
MEDO VENCIDO – Viajante veterana, a designer Júlia Sampaio, 34, não abordava desconhecidos para puxar conversa por achar que estaria invadindo o espaço dos outros. Mudou a postura. “As pessoas são muito mais solícitas do que eu pensava”, diz. – (@foradatoca/Instagram)

Essas conexões casuais, chamadas de “laços fracos”, têm a capacidade de diminuir o sentimento de solidão e melhorar o humor tanto de quem aborda quanto de quem é abordado. “A sensação de fazer parte do mundo à sua volta é uma necessidade humana básica e aumenta o bem-estar mental do indivíduo”, explica Karen Fingerman, professora de psicologia na Universidade do Texas e autora de Contatos Casuais: o Poder das Pessoas que Parecem Não Ser Importantes — Mas São. Isso porque neurotransmissores com funções ligadas à sensação de felicidade, como dopamina, serotonina e ocitocina, são liberados quando o ser humano se relaciona socialmente. “A porção frontal do nosso cérebro só foi capaz de evoluir por causa das interações interpessoais”, explica a neurocientista Cláudia Feitosa-Santana.

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Além de agradáveis, os papos com estranhos podem ser úteis. O comissário de bordo baiano Mário Lourenço, 23 anos, lembra com nostalgia do dia em que se envolveu em um papo com um concorrente na fila de uma entrevista de emprego internacional e trocaram contatos. O outro candidato foi aprovado e Lourenço não, mas não deixaram de se comunicar. “No ano seguinte, fui selecionado pela mesma empresa e me mudei para Dubai, onde o colega estava morando. Ele foi me receber e me mostrou a cidade. Teria me sentido perdido e sozinho sem isso”, afirma Lourenço.

Não se trata de forçar conversa e invadir o espaço alheio — é indispensável que o outro se mostre aberto ao contato. Uma dica para entabular uma interação do tipo que começa e acaba na espera para embarcar no avião é iniciar com assuntos triviais e a partir daí buscar interesses em comum. Boa notícia: a reação mais comum é a reciprocidade, como mostra um experimento realizado pelos cientistas comportamentais Nicholas Epley e Juliana Schroeder, da Universidade de Chicago. Eles reuniram um grupo de pessoas e pediram que elas quebrassem a norma social do silêncio em ônibus e salas de espera. Os participantes foram a campo com certo receio de serem rejeitados, mas o resultado foi o exato oposto: a maioria constatou que os estranhos foram receptivos, curiosos e agradáveis. A conclusão dos especialistas foi que existe um “profundo mal-entendido nas relações sociais”. Desfazê-lo passa por respirar fundo, abrir um sorriso e fazer um comentário agradável para a pessoa sentada ao lado no metrô. Se ela responder, a viagem provavelmente vai passar mais rápido. Estranhos, afinal, não são sinônimo de perigo.

Publicado em VEJA de 11 de janeiro de 2023, edição nº 2823

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