Há uma cena no primeiro episódio de Machos Alfa, série espanhola que estreou há pouco na Netflix e já teve sua segunda temporada confirmada, em que um dos personagens, Pedro, está revoltado. Ele perdeu o emprego, substituído por uma mulher como parte de uma iniciativa de diversidade da empresa onde trabalha. Pedro acabou de comprar uma mansão, mas não sabe como vai pagar. Enquanto fica em casa, vê a mulher se tornar uma “produtora de conteúdo” para as redes sociais de sucesso. Em um jantar entre amigos, se vê diminuído pelo brilho das mulheres ao redor, e explode. “De repente, tudo é patriarcal”, diz. “Somos um vírus. Declararam guerra ao cromossomo Y.” O desabafo retrata o desajuste que homens como ele sentem nesta nova era em que não há mais espaço para misoginia, preconceito e outras incivilidades dos velhos tempos. O seriado usa a comédia para discutir o tema, mas trata-se de problema sério, que precisa ser enfrentado. Para ir direto ao ponto: o macho alfa está com os dias contados, quer ele queira ou não.
Dois casos recentes exemplificam a questão. O primeiro deles diz respeito à separação da cantora Shakira e do ex-jogador de futebol Piqué após doze anos de relacionamento. Piqué teria traído Shakira com uma mulher mais jovem, e as provocações entre os dois viraram o centro das discussões nas redes. Shakira até fez uma música criticando o ex, que começou a aparecer publicamente para exibir a nova namorada como se fosse um troféu. Outro caso envolve o ator Luis Navarro, que interpreta Mark na novela Todas as Flores, da Globoplay. Ele disse que estava se separando da ex-bailarina Ivi Pizzott porque a paternidade estava consumindo seu tempo. “Não lembro a última vez que fiquei sozinho para refletir, que li um livro”, disse, ao anunciar que deixaria a mulher e as filhas, uma de 4 anos e outra de apenas 4 meses. O post caiu como uma bomba — não seria diferente para um pai que assume o desejo de dedicar menos tempo aos filhos. “Cancelado” pela fúria das redes sociais, o ator disse que foi “mal interpretado”.
As redes sociais — e onde mais, a ágora de nosso tempo — ampliam a dificuldade da mudança comportamental. Pesquisas recentes mostram que muitos homens continuam com o mesmo pensamento embolorado que há anos vem sendo questionado pelo movimento feminista (leia no quadro). “A imagem masculina mais proeminente que temos hoje é resultado de uma série de acontecimentos históricos e de processos sociais e culturais que instalam o homem branco, cis e hétero em uma posição, supostamente natural, de superioridade em relação às mulheres e a outros homens”, afirmaram, em entrevista por e-mail a VEJA, os pesquisadores de psicologia André Villela, Carolina de Souza e Lucas Mascarim da Silva, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Masculinidade da USP.
Não é fácil mudar a visão de mundo do macho alfa, mas a boa notícia é que houve notáveis avanços nos últimos anos. Alguns deles se devem às conquistas de outros movimentos que questionam a ridícula posição de superioridade defendida pelo velho homem. “As novas ondas feministas, o feminismo negro, o transfeminismo, as lutas periféricas e os movimentos dos povos originários são fundamentais para, de fato, enfrentar a hegemonia masculina”, afirma João Silvério Trevisan, autor de Seis Balas num Buraco Só: a Crise do Masculino, obra seminal sobre o tema lançada originalmente em 1998 e reeditada em 2021. “A questão do masculino tóxico é muito mais grave do que se está falando, porque perpassa todas as lutas. E, muitas vezes, quando se sente acuado, o masculino tóxico busca a violência”, diz Trevisan.
O problema é que faltam exemplos do que deveria ser o novo homem, enquanto sobram, especialmente na cultura pop, referências do macho alfa ideal, datado, que já não pode mais prevalecer. Basta lembrar de Sean Connery como o agente James Bond no cinema. Ele sempre está rodeado de mulheres, agindo como se o mundo girasse ao seu redor. Hoje em dia, são poucas as celebridades que destoam do estereótipo. Uma delas é Rodrigo Hilbert, que faz crochê, cozinha e discute masculinidade tóxica. O influenciador Hugo Merchan está no mesmo time. “Nunca fui um macho alfa”, afirma. “Tentei seguir os padrões, até para evitar as humilhações que sofria, mas não deu certo pra mim.” Merchan tem mais de 300 000 seguidores nas redes sociais, o que mostra que há espaço para esse tipo de discussão.
Como os homens devem se comportar nestes novos tempos? É fundamental reconhecer comportamentos preconceituosos, ouvir o que especialistas dizem e buscar modelos de masculinidade mais saudáveis. Felizmente, os papéis de homens e mulheres não são mais os mesmos de décadas atrás. O mundo mudou para melhor — e isso é ótimo para todos os gêneros.
Publicado em VEJA de 8 de fevereiro de 2023, edição nº 2827