“É uma bolha de luxo”, diz brasileiro que decora casas no Oriente Médio
Vincenzo Visciglia, que veste as mulheres mais ricas de Dubai e região, diz que as guerras na vizinhança não afetam a ostentação vivida ali
Como você caiu no gosto das árabes endinheiradas? Já estou em Dubai há quinze anos, com um escritório de arquitetura e um ateliê de moda. Faço as casas das famílias e os vestidos das mulheres, que não podem se mostrar para os homens, nem mesmo a seus pretendentes. Elas sabem que sou bastante profissional. No começo, pediam para as costureiras tirarem as medidas e eu desenhava. Com o tempo, pegaram confiança e me deixam vesti-las. Claro que é mais difícil quando a família é tradicional: as mães nem sequer deixam ver suas filhas.
Qual é a preferência de estilo, ainda que elas tenham que usar véus ou burcas em público? São vestidos extremamente luxuosos. Feitos para eventos e casamentos. Quanto mais próximo o anfitrião, maior o investimento. São modelos de alta-costura, com metros de tecidos nobres e muitos bordados, pedrarias, cristais e brilho, que levam até quatro meses para ficar prontos. Quanto mais a roupa ostenta, melhor. É a maneira que elas têm de mostrar que são ricas. E existe muita competição. Temos até um esquema contra vazamentos porque as clientes investigam e tentam tirar informações sobre o vestido das outras.
Costura para personalidades também? Sim, visto as celebridades locais, não só de Dubai, mas também do Catar, do Kuwait e da Arábia Saudita. Inclusive atrizes, cantoras e influenciadoras sírias e libanesas, que são menos rígidas e podem se expor mais. E ainda tem as xeicas, que geralmente vão à loja, escolhem uns vinte vestidos, que mandamos à casa delas. Mas não podemos tirar fotos. Elas respeitam muito os costumes, mas estão conquistando espaço e liberdade na moda. Só que, nas redes sociais, as fotos ainda aparecem com a cabeça cortada ou um borrão no rosto.
Até que ponto os conflitos no Oriente Médio afetam seu trabalho? Estamos no meio de uma guerra, mas, em Dubai, as pessoas vivem como se nada estivesse acontecendo, porque o governo consegue dominar as notícias e filtrar as redes sociais. Então, acaba não impactando o nosso dia a dia. Vivemos em uma bolha de luxo — e com sensação de segurança.
Pretende voltar ao Brasil para ser mais reconhecido por aqui? Penso em trazer minha marca para o país, obviamente adaptada. Mas a ideia não é competir com os estilistas brasileiros, que são muito talentosos. Já é muito gratificante representar o Brasil e ter me tornado um pilar da moda no Oriente Médio. Não preciso provar mais nada para ninguém.
Publicado em VEJA de 26 de abril de 2024, edição nº 2890