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Cidades ao redor do mundo criam alternativas para a vida sem carros

Dia Mundial sem Carro surgiu como uma proposta de reflexão sobre os impactos do uso excessivo dos automóveis

Por Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 22 set 2023, 08h00
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  • Certas perguntas guiam a humanidade. De onde viemos e para onde vamos é uma delas. Não sabemos o ponto de partida, menos ainda o destino final de cada um, mas se você mora em uma média ou grande cidade, há uma grande chance de ir de carro. Em razão desse problema, foi criado o Dia Mundial sem Carro, celebrado em 22 de setembro. O primeiro país a comemorar essa data foi a França, em 1997. A partir daí, gradativamente vários outros lugares passaram a celebrá-la. 

    Por décadas a mobilidade urbana e o planejamento público das cidades seguiram uma abordagem centrada nos automóveis. Boa parte do espaço urbano foi, e em muitos lugares ainda é, dedicado aos motoristas. Nos Estados Unidos, entre 50% e 60% da área das cidades são dedicadas aos estacionamentos. A fins de comparação, em Los Angeles 50% da área urbana é dedicada a vagas. Em São Paulo, o número chega a 25%. A questão se tornou central na terra do Tio Sam e evidenciou o privilégio dos automóveis. Os carros ficam estacionados aproximadamente 95% do tempo, de acordo com uma estimativa da RAC Foundation, por outro lado, ocupam partes enormes de áreas valiosas. Espaços que poderiam ser ocupados por gente. 

    Cidades europeias vêm adotando estratégias para desincentivar o uso de carros em detrimentos de outros modais. Os superblocos de Barcelona, por exemplo, sintetizam uma nova forma de organizar a cidade, dividindo-a em bairros de nove quarteirões onde o tráfego é restrito. Em Paris, a prefeita Anne Hidalgo tem o ambicioso projeto de transformar a capital em uma cidade verde de 15 minutos, onde tudo que os moradores precisam pode ser encontrado em apenas ¼ de hora a pé ou de bicicleta. Um estudo chamado People Near Transit, do WRI, mostra que apenas 25% dos paulistanos moram a menos de 500 metros de um ponto de ônibus ou a 1 km de uma estação de trem ou metrô. Em Paris, esse número é próximo de 100%.

    Berlim tem planos ainda mais audaciosos. Uma iniciativa dos cidadãos berlinenses pede a proibição de carros na área dentro do Ringbahn, linha de trem ao redor do centro da cidade. Isso criaria a maior área urbana livre de carros do mundo. 

    As consequências do domínio dos carros é conhecida por quase todo cidadão morador de centros urbanos: tráfego maciço, congestionamento, poluição sonora e do ar, acidentes e ocupação de vias públicas.

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     Por outro lado, cidades que vêm testando privilegiar outros modais de transporte têm colhido benefícios. Em Oslo e Helsinque levaram a anos inteiros sem mortes por acidentes. Em Nuremberg, as políticas de desincentivo ao uso de carros, implementadas desde a década de 1970, reduziram o tráfego de veículos em 25% e aumentaram a qualidade do ar. 

    Grande parte das cidades que desencorajam o uso de carros no perímetro urbano vê o florescimento da ocupação pelos cidadãos. Espaços antes dedicados a estacionamentos se transformam em cafés, restaurantes, lojas e feiras livres. Muitas das cidades que foram pioneiras na redução do uso de carros são classificadas hoje como alguns dos melhores lugares para se viver no mundo. 

    Mas, por mais eficazes que essas políticas possam parecer, elas quase sempre enfrentam uma enorme oposição. A questão não é simples. Superlotação, pouca conexão entre diferentes sistemas, altos preços, pouca oferta, longas distâncias… Tudo isso contribui para a preferência por carros. Além disso, carros não são apenas carros. Em uma cultura capitalista, se tornam símbolos de riqueza e independência, virando objeto de desejo. E em cidades em que até 80% da área pública é favorável aos automóveis, como é o caso de São Paulo, eles parecem uma escolha um tanto óbvia. 

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    Mas nem tudo está perdido, pelo contrário, há quem acredite que a substituição do carro por outras modalidades é uma questão de tempo. “O carro é o cigarro do futuro”, diz Daniel Guth, pesquisador em políticas de mobilidade urbana e organizador do livro “O Brasil que Pedala: a cultura da bicicleta nas cidades pequenas”. Em sua perspectiva, as discussões sobre saúde pública e aquecimento global não comportam mais a prioridade dos carros. Carros elétricos, que podem parecer a solução para o problema do aquecimento, estão longe de ser a solução para a ocupação das vias públicas. “A diferença é que vamos ter engarrafamentos mais silenciosos”, brinca. 

    Para ele, a qualidade e a sustentabilidade financeira de uma cidade passa pelo debate sobre transporte público e é imperativo oferecer modais substitutivos aos carros. As etapas para esse processo parecem claras. Guth acredita em dois caminhos possíveis, que devem ser adotados conjuntamente. Primeiro, o incentivo e oferta de novas modalidades de transporte. Isso pode acontecer de muitas formas: ampliação da malha ferroviária e das linhas de ônibus, redução ou anulação das tarifas, construção de ciclovias e ciclofaixas, oferta de bicicletários públicos e privados. Por outro lado, é preciso desincentivar o uso de carros. Isso pode ser feito reduzindo as vagas de estacionamento, criando pedágios urbanos, reduzindo a área pública acessível aos carros, criando rodízios… Enfim, os caminhos são muitos. Mas um futuro sem carros, ou pelo menos com a frota significativamente reduzida, parece inevitável. 

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