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Festa, que festas?

Os micos e ansiedades nas comemorações de fim de ano

Por Walcyr Carrasco Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 18 dez 2022, 08h00

É uma época terrível do ano. Paira no ar uma obrigação de ser feliz. Mas felicidade não desaba sobre alguém só por uma questão de data. Acredito que só é feliz quem tem vocação para ser. Muita gente que eu conheço entra em êxtase com uma caixinha de fósforos. Mas há quem reclamaria da cor de um carro zero. Amigo secreto? Já vivi dramas. Certa vez, ofereci uma camisa. Só que não serviu. Eu havia comprado em liquidação e não havia possibilidade de troca. Na época, eu andava com o caixa baixo. Peguei a camisa para trocar e disfarcei. Passei meses ouvindo o “presenteado” reclamar. De amigo secreto passou a inimigo público.

É maravilhoso para quem tem família que gosta de se encontrar. Mas também já vi muitos Natais terminarem em brigas e revelações. Explico: desde menino, eu passei muito o dia 25 na casa dos outros. Minha mãe, pequena comerciante, ficava embrulhando presentes até quase meia-noite da véspera. E me despachava para uma tia, vó… Mais tarde, casa de amigos, crushes… Já vi muita choradeira, nem sempre de emoção, mas de raiva. A clássica chantagem do pai ou avô ofendido que não quer ir pra mesa. A mulher, filhas, em lágrimas, imploram: “Vem, só dessa vez, não é dia pra discutir”. E o bonito fazendo cara de ofendido. Algumas famílias contratam Papais Noéis, ou botam o traje em algum familiar. O objetivo é divertir as criancinhas, embora de fato elas só queiram abrir os presentes. (Cada vez mais difíceis, porque ninguém mais quer bonecas artesanais ou carrinhos feitos à mão, mas jogos eletrônicos.)

“No Natal, solitários ganham aura de fracassados. Já que tenho de ser feliz, eu me esforço. Pesco gordas ceias”

Tento ser criativo. Certa vez, dei uma jaca de presente para meu irmão. Explico. Minha mãe, já falecida, adorava jaca. Diante da mensagem falando de nossa infância, meu irmão lacrimejou. Foi um momento intenso e emocionante. Valeu a jaca! A idade chega. A sobrinha com quem eu passava todos os Natais se mudou para os Estados Unidos. Já me convidou para ir comemorar no Texas. Mas e o trabalho? Impossível viajar.

O tempo nos torna mais sozinhos. Sinceramente, não é tão difícil, a vida continua. Eu poderia perfeitamente passar um Natal em casa, com um frango de padaria. As pessoas se solidarizam, mas não desistem de seus planos: “Não faça isso! Sozinho não pode. Se eu não fosse pra Trancoso, passava com você”. A depressão cresce em dezembro, tentativas de suicídio aumentam.

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Creio que parte disso decorre da pressão para ser feliz. Solitários ganham aura de fracassados: “Vai passar o Natal sozinho, coitado!”.

Já que tenho de ser feliz, eu me esforço. Pesco gordas ceias e almoços. Durante anos, passei o dia de Natal na casa de meu amigo Luiz Cláudio. A família toda, com muitos tios e primos. Eu, de agregado. A certa altura, montava-se uma mesinha. A avó, de origem árabe, entregava um envelope para cada um da fila. Dentro, dinheiro. Eu ficava por perto, quem sabe? Até que uma vez ousei: “Posso entrar na fila?”. A resposta: “Aí já é demais”. Nunca peguei um daqueles envelopinhos, que lástima. Até o espírito de solidariedade natalina tem limitações.

Publicado em VEJA de 21 de dezembro de 2022, edição nº 2820

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