Tradutor de obras clássicas do grego antigo, como Ilíada, Odisseia, Frederico Lourenço se envolveu em outra tarefa homérica: traduzir com base no texto original os 27 livros do Novo Testamento e os 53 livros da Bíblia dos Setenta, ou Septuaginta, escritos originalmente em hebraico e vertidos para o grego no século III a.C.. O trabalho de tradução desses 80 livros entre Novo e Velho Testamento promete ser a versão mais completa da Bíblia na língua portuguesa, por abraçar textos que ficaram de fora do cânone oficial – hoje, a versão evangélica das escrituras cristãs possui 66 livros, enquanto a católica oferece 73.
O trabalho de Lourenço chega às livrarias primeiro por Bíblia: Novo Testamento – Os Quatro Evangelhos (Companhia das Letras, 424 páginas, 69,90 reais impresso e 39,90 reais o e-book). A leitura do texto sagrado ganha um novo sabor por sua tradução rigorosamente fiel ao texto original, sem adaptações teológicas. O mesmo pode ser dito dos textos introdutórios do tradutor português e de suas notas de rodapé, que oferecem uma análise linguística, histórica e comparativa entre os livros, isenta de qualquer viés religioso.
O primeiro volume foca nos quatro livros iniciais do Novo Testamento. Os evangelhos, assinados (ou não, uma das muitas dúvidas históricas que pairam sob a Bíblia) por Mateus, Marcos, Lucas e João, apresentam particularidades, dissonâncias e paridades narrativas observadas pelo rigor literário de Lourenço. Uma observação feita por ele, por exemplo, é a falta de exorcismos no livro de João — considerado um texto voltado para a elite da época, ao contrário dos textos de seus três colegas anteriores, batizados de Evangelhos Sinópticos, focados em uma semântica mais popular. O texto de João teria o cuidado de não apresentar a prática de manifestações demoníacas por ser uma atividade desprezada pelos intelectuais. Uma das muitas curiosidades pouco observadas pela leitura religiosa, mas que salta quando vista a partir da lupa histórica.