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Bob Marley superstar

Exodus, disco em que o cantor gravou no exílio londrino, adicionou novas sonoridades ao reggae, ganha versão luxuosa, supervisionada pelo filho do astro

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 jun 2017, 16h58 - Publicado em 8 jun 2017, 16h41
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  • Segundo livro do Antigo Testamento, Êxodo teria sido escrito pelo profeta Moisés e trata principalmente do retorno dos hebreus à Canaã, a Terra Prometida, depois de 430 anos sob o jugo escravagista dos egípcios. Uma viagem que não foi fácil: eles resistiram à fúria do faraó – que retaliou sem dó as pragas enviadas por Deus para castigar o povo africano –, passaram fome, vagaram sem destino por 50 anos e até flertaram com o paganismo, ao trocar o Deus de Israel por um bezerro de ouro. Exodus, nono álbum de Bob Marley & the Wailers, e que está sendo lançado numa edição dupla, tem muito do espírito do povo de Moisés. A começar pela faixa-título, que também prega uma volta à Terra Prometida – no caso do jamaicano, adepto da filosofia rastafari, a África. Marley, aliás, foi de certa forma condenado ao exílio. Em dezembro de 1976, bandidos armados entraram em sua casa na 56 Hope Road, em Kingston, e encheram de balas ele, sua mulher, Rita Marley, e seu empresário, Don Taylor. O fato foi alardeado como um atentado político, porque Bob fazia campanha para o candidato socialista Michael Manley. Outro boato, porém, era de que os meliantes foram cobrar uma dívida de Alan “Skill” Cole, jogador de futebol e amigão do rei do reggae – que, nesse caso, atuaria como fiador do parceiro. Por motivos de segurança, Bob trocou a Jamaica natal por Londres.

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    A mudança de país acabou se tornando benéfica para Bob Marley. O reggae, gênero desenvolvido na Jamaica na virada dos anos 60 e 70, é um amálgama de vários estilos musicais, entre eles o mento (uma espécie de calipso), as canções dos piratas que desembarcavam na ilha caribenha, o ska e o rhtyhm’n’blues americano. Mas por muito tempo se fiou somente às suas características principais, como o baixo de tonalidades abissais, a bateria bem marcada e os vocais calcados no soul dos Estados Unidos, com letras que falavam sobre injustiça e religião. Exodus, por sua vez, tem um sabor internacional – nesse ponto, ele dialoga bem com Catch a Fire (1973), álbum de estreia do Wailers na gravadora Island, de Chris Blackwell, que “amansou” a sonoridade crua do gênero jamaicano. Exodus tem canções influenciadas pela disco music, pelo soul americano dos anos 70 e até pelo jazz – por exemplo, o solo de guitarra limpa de Waiting in Vain. Dois instrumentistas, aliás, contribuíram imensamente por essa abertura de horizontes. Um deles foi o tecladista Tyrone Downie, parte da banda de apoio de Bob desde sempre, mas que em Exodus colabora com essas sonoridades pop. O seu toque de teclado é perceptível em canções como Jammin’ (a tal faixa disco) e Waiting in Vain. Essa última traz a outra novidade da banda de Marley, o guitarrista Junior Marvin, o autor do solo jazzístico. Ex-integrante do Hanson, grupo de soul/rock inglês, e ex-membro da banda do cantor Steve Winwood, ele casa sua guitarra universal com as influências blues de Donald Kinsey (que havia entrado no disco anterior, Rastaman Vibration, de 1976), o suinge do americano Al Anderson e a base e os solos de Earl “China” Smith, mais rastafari ortodoxo do que bula de Biotônico Fontoura. Aston “Family Man” (baixo) e Carlton Barrett (bateria) completam a banda. A partir de Exodus, o reggae ganharia tonalidades mais pop. Seja na Jamaica, onde bandas como Third World e Black Uhuru adicionariam os novos elementos em sua iTal food musical. O velho mundo se encantou com as novidades propostas por Marley e os Wailers. A mudança se refletiu no desabrochar de bandas britânicas como Steel Pulse e Aswad, que passaram a combinar a pregação com o pop proposto pelas músicas do novo lançamento do rei do reggae. Pouco depois, Bob Marley se encantaria com o punk inglês, a ponto de dedicar uma canção ao movimento – a agitada Punk Reggae Party. Seus shows ganhariam também é velocidade e agressividade, uma prova de que o punk mudou a maneira de pensar de Marley.

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    Existe uma tendência em apontar Exodus como o disco mais político de Bob Marley. Não é – esse epíteto pertence a Survival, de 1979, que nasceu após a viagem do cantor jamaicano pela África, onde ele se desencantou com a utopia rastafari do retorno à “casa de seus ancestrais”. Há, claro, uma afirmação de Bob Marley como homem negro, rastafari, produto do terceiro mundo, nascido e criado nas zonas mais desassistidas da Jamaica (St. Ann, onde nasceu, e Trenchtown, gueto de Kingston onde passou sua infância e adolescência). O Marley de protesto ocupa a parte inicial do álbum, em canções que reafirmam sua fé na filosofia rastafari (em Natural Mystic, na faixa-título) e canções que abordam temas políticos e sociais de uma maneira vaga. Há uma pequena referência ao atentado em que sofreu na letra de So Much Things to Say (“Ah,é verdade, eles me acharam culpado/ Mas já provou minha inocência”, diz um trecho). Durante a gravação de Exodus, Marley se enrabichou com Cindy Breakespeare, ex-Miss Biquíni Jamaica. Ela é a musa inspiradora da segunda parte do álbum, que traz duas das canções mais românticas do rei do reggae – Turn Your Lights Down Low e Waiting in Vain (cujos versos tiveram também a mão de Downie, que ficou sem o merecido crédito). Cindy é branca e descendente direta de ingleses, o que motivou um queixume dos rastafaris mais ortodoxos. A saída de Marley foi responder com um surrado “quem não tem pecado que atire a primeira pedra”. E Bob também baixa o tom dos protestos. Se na primeira parte ele pede um confronto, exige mudanças até mesmo pela força, no lado B (para quem ainda tem o vinil), Marley prega o amor e a paz universal. Faixas como Three Little Birds, homenagem às i-Threes, grupo vocal formado por Rita Marley, Marcia Griffiths e Judy Mowatt, e One Love, que pede entendimento entre os povos.

    A capa da nova edição de Exodus, de Bob Marley, que acaba de chegar às lojas (Divulgação/Divulgação)

    A universalidade de Exodus referendou Bob Marley para os shows de abertura da turnê dos Commodores, principal banda de soul e funk dos Estados Unidos, três anos depois do lançamento do álbum. Mas a participação dos jamaicanos foi cancelada após Marley descobrir ser portador de um câncer – que iria mata-lo no dia 11 de maio de 1981. O caráter universal de Exodus também o credenciou para ser o maior disco do século XX, numa eleição da revista americana Time. Quarenta anos após seu lançamento, Exodus retorna às lojas em quatro versões: uma dupla, contendo o original e uma mixagem de Ziggy Marley (que, tal e qual um açougueiro, destroça os clássicos do pai, tirando introdução das músicas, baixando escandalosamente o volume dos instrumentos), além de discos com versões exclusivas, registros do show da turnê e uma coleção de singles daquele período. Não importa qual o formato ou a versão a ser ouvida: Exodus vai além do reggae e não ficou parado no tempo.

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