O relógio marca 21h30 de quarta, 18, na boate Bahamas, a famosa casa frequentada por prostitutas de luxo em São Paulo, quando logo na entrada se vê uma recepcionista resignada ao ser perguntada sobre o número de profissionais do sexo trabalhando naquele momento na casa: dezesseis. Em época pré-coronavírus, esse número nunca era inferior a sessenta. Em alguns dias, chegava a 100. Ao entrar pela porta de vidro que dá acesso ao lounge do andar térreo, constata-se semblantes de desolação. Mulheres vestidas de lingerie cavadas conversando entre si e mexendo no cabelo. Elas estão sem ter com quem interagir. A pista de dança com um pufe que imita salto alto está vazia. Duas discoballs giram solitárias, sem a presença de ninguém por perto.
Há apenas quatro clientes em toda a casa, que tem área de 1.740 metros quadrados. Um deles joga sinuca com uma loira, outro circula de roupão entre as mesas e dois amigos dão baforadas em cigarro eletrônico no fumódromo. “Estamos desesperadas”, diz Cecília, de 25 anos. Mineira de Belo Horizonte, Cecília diz estar preocupada com as contas que não deixarão de chegar. “Ainda mais porque passei o Carnaval em Ilhabela e fui em bazar de roupas de blogueiras, não guardei dinheiro nas últimas semanas.”
Ela cobra entre 400 e 500 reais pelo programa – mas não descarta reduzir o valor caso a demanda por seus serviços continue em baixa. No subsolo do Bahamas, onde há um enorme bar, além de vestiário e banheiro coletivo, não há uma mísera alma. O bar de lá, aliás, está desativado, mantendo o atendimento de comidas e bebidas apenas no térreo. Se antes a regra era a profissional aguardar um contato visual do potencial cliente para se aproximar, a crise causada pelo coronavírus fez o approach, digamos assim, ser mais direto — como invadir o banheiro masculino quando um homem entra no local. Duas garotas de programa contam que a casa de Oscar Maroni Filho adotou algumas medidas para evitar a contaminação de coronavírus. Se elas estiverem com febre ou tosse, não podem aparecer para dar expediente. Há apenas um frasco de álcool em gel em cima do bar. “Atender por aplicativo me irrita, mas talvez seja uma solução diante desses problemas de saúde”, diz uma morena de 23 anos usando um maiô recortado mostrando a barriga tanquinho.
Por volta das 23h, um rapaz de cerca de 27 anos chega ao local. As duas TVs exibiam clipe de Bad Romance, de Lady Gaga. De barba, calça cáqui e camisa polo da Lacoste preta, ele chamou a atenção de Cecília – imediatamente, ela levantou-se para conversar. Terminada as tratativas, ele comprou um vinho branco Crios e os dois subiram para o quarto, que fica no “hotel colado ao Bahamas.”
O marasmo no estabelecimento não é um caso isolado. A pandemia do coronavírus atingiu em cheio o mercado do prostituição e sexo como um todo em São Paulo. A boate Scandallo Lounge, cuja entrada sem consumação custa 300 reais, abriu as portas ontem na mesma situação: clima de fim do mundo. Quem ligava para obter informações, recebia o alerta: “Tem menos meninas aqui, não vou negar.” Com a ausência de clientes, as casas de swing da cidade fecharam as portas deste o fim de semana. São elas Inner Club (195 reais o casal), Hot Bar (180 o casal) e Asha (150 o casal). Desacompanhados, os homens chegam a pagar 500 reais para entrar nesses endereços. Eles não têm data para reabrir.
Tradicional inferninho da boemia paulistana, a boate Love Story recebeu na madrugada desta quinta, 19, apenas três clientes (120 reais a entrada, consumíveis). Às 6 da manhã, horário de pico no local, onde até duas semanas cerca de 200 clientes marcavam ponto, estava às moscas. Na verdade, havia três profissionais do sexo no fumódromo do lado de fora. Diante da completa falta de clientela, a Love Story fechou suas portas às 6h30, quando em um dia normal o expediente encerra ao meio-dia. “Não abriremos mais depois de sexta-feira”, informou a hostess da casa, que não quis se identificar. Essa medida se dá pelo decreto do prefeito paulistano Bruno Covas, de fechar por quinze dias todas as casas noturnas. “Temos na Love Story mais de vinte funcionários fixos. Não tem como ficar aberto sem receber público”, lamentou a hostess.
O mercado de sexo está em colapso porque a profissão mais antiga do mundo hoje não atende aos protocolos da Organização Mundial da Saúde por uma questão simples: a saliva é um agente transmissor da Covid-19. “O contato íntimo entre as pessoas aumenta a transmissão”, diz o médico Ralcyon Teixeira, diretor da divisão médica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas. “O beijo consiste em troca de salivas, muitas vezes com olhos e nariz, além da boca. As membranas das vias respiratórias são contaminantes.”
A transmissão do coronavírus também pode ocorrer por superfícies contaminadas, como toalhas, roupas de cama e plásticos, ao encostar a mão e depois coçar a boca e olhos. Mesmo que a saliva esteja contaminada, o sexo oral por si só não transmite a doença porque o vírus não é absorvido pela mucosa da pele. Mas a interação sexual, como o beijo, contagia. “Ainda não se sabe se as fezes podem contaminar, então o sexo anal pode ser agente transmissor”, explica Ralcyon Teixeira.
O cenário observado na noite paulistana repete o que ocorre em outros países com surto da doença. Em Amsterdã, uma medida do governo local mandou interromper as atividades de bares, restaurantes e escolas por três semanas. O efeito foi imediato e afetou também as casas de prostituição do chamado Red Light District. Sem turistas na cidade e com os moradores em quarentena, as profissionais decidiram não trabalhar. Muitas vitrines onde mulheres se exibiam agora têm o cartaz com o aviso: “The office is closed” (o escritório está fechado).
O clube de strip-tease Deja Vu Showgirls, da Flórida, decidiu entregar máscaras para os primeiros 10.000 clientes. A iniciativa, claro, visa tentar evitar a fuga da clientela. Até o momento, a estratégia tem se mostrado em vão.