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O status ‘quase mitológico’ de PC Farias na política, segundo diretor

Chaim Litewski fala a VEJA sobre ‘Morcego Negro’, documentário que dirigiu com Cleisson Vidal

Por Valmir Moratelli Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 Maio 2024, 11h16 - Publicado em 18 mar 2024, 14h00

Tesoureiro do ex-presidente Fernando Collor de Mello e diretamente envolvido no processo que culminou com seu impeachment, abalando a recém-restaurada democracia no país, Paulo César Farias, conhecido como PC Farias, morreu em 1996. A polícia concluiu que ele foi assassinado. Seu corpo foi encontrado ao lado do da namorada, Susana Marcolino, em sua casa de praia, em Maceió. O assassinato do casal segue sem conclusão. Agora, um documentário com vastas entrevistas de políticos, familiares e empresários chega aos cinemas. Morcego Negro, de Chaim Litewski e Cleisson Vidal, ganha estreia em São Paulo, na quinta-feira, 21; em Belo Horizonte no sábado, 23; e no Rio, no dia 28. Em conversa com a coluna, Chaim fala como a obra revela os meandros da política brasileira, calcada entre capital, poder e crime organizado.

Por que PC Farias, ainda hoje, é um personagem que desperta curiosidade e fascínio na história da política nacional? PC Farias era uma pessoa bastante carismática. Nunca foi “cangaceiro”, pelo contrário. Leu os clássicos, discutia filosofia, adorava música erudita e, principalmente, era ótimo ouvinte e contador de casos. Tinha personalidade alegre e bem-humorada. Mas seu entourage podia ser também, quando necessário, pesado. Seu nome, na memória difusa da sociedade brasileira, traz recordações que denotam poder, corrupção e impeachment (do ex-presidente Fernando Collor de Mello). Os lobistas sempre existiram, de uma forma ou outra. Foi PC que costurou o acordo entre usineiros de Alagoas e Collor. Mais importante, PC criou, ele próprio, a imagem do arrecadador de campanhas presidenciais. Apesar de já existir essa figura nas eleições municipais e estaduais, não podemos esquecer que as eleições presidenciais de 1989, nas quais PC era o tesoureiro da campanha de Collor, foram as primeiras em quase três décadas. Não existia, portanto, a figura do arrecadador que falava em nome do futuro presidente, do intermediário entre o grande capital e o candidato. PC criou esse personagem, discreto, que vive nas sombras, por detrás das câmeras. A figura PC, construída pela mídia, com sua careca, bigode, barriga e charuto, é quase um estereótipo de “pessoa em quem não devemos confiar” no imaginário popular. Finalmente, as circunstâncias de sua morte, ainda não resolvida, o auferiu um status quase mitológico na historiografia brasileira.

O que o documentário traz de novo sobre os acontecimentos que levaram à morte de PC Farias? Os pesquisadores que trabalharam no documentário tiveram acesso a uma série de documentos governamentais, muitos deles secretos, de vários países, incluindo Brasil, Itália, Estados Unidos e Suíça. Além de diários de pessoas que conviveram intensamente com PC. Gravamos dezenas de depoimentos de pessoas que conheceram profundamente PC e nunca tiveram a oportunidade de falar a esse respeito. Alguns desses documentos que encontramos, algumas pessoas com quem conversamos, indicam – mas não apontam – algumas possibilidades. “Queima de arquivo”, “boi de piranha”, “conflito por dinheiro” são algumas delas. Judicialmente, ficou “provado” que não ocorreu assassinato seguido de suicídio. Mas sim dois assassinatos.

Como isso ajuda no debate de combate à corrupção na atualidade? A corrupção está arraigada na sociedade brasileira. Faz parte do nosso DNA político, independentemente de ideologias. Mas ela também é perigosa para quem a pratica. A vida de PC deixa isso absolutamente claro. Cabe à imprensa investigar mais profundamente todos esses casos que ocorrem e que são logo esquecidos, propositalmente ou não, já que nossa memória política é extremamente curta.

O filme passa a ideia de que “interesses privados” e “política nacional” sempre andaram de mãos dadas no país. Que relação é possível fazer entre os escândalos da época de PC e os da Lava Jato, por exemplo? No Brasil, como em muitos países, o poder político e o capital/interesse privado sempre andaram de mãos dadas. Uma relação carnal e incestuosa que nunca é coincidente. Então é basicamente assim que a política no Brasil funciona – e sempre foi assim. Seja nos regimes de exceção ou na democracia plena. Certamente você pode estabelecer uma linha direta entre o Caso PC Farias e a Lava Jato: as companhias corruptoras em ambos são praticamente as mesmas. O discurso ainda é praticamente o mesmo. Os interesses pessoais e corporativistas não mudaram. A Lava Jato criou um novo elemento: o servidor público fantasiado de “justiceiro”. Juízes e promotores transpondo barreiras legais, para ascender ao poder. Com a entrada desse novo elemento na equação, o problema se tornou infinitamente maior.  E assim caminhamos…

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Qual foi a maior dificuldade para se fazer o documentário sobre PC Farias, quase trinta anos após sua morte? Os maiores problemas foram acesso aos documentos oficiais. Usamos as leis de acesso à informação em muitos casos… e convencer algumas pessoas a gravar depoimentos conosco. Nunca usamos de inverdades ou subterfúgios. Sempre dissemos as mesmas coisas para todos a quem contactamos: estamos realizando um filme sobre PC Farias e seu tempo. Alguns demoraram anos para permitir a gravação da entrevista. Outros quiseram falar, mas não gravar. Depois de trinta anos, outros quiseram contar as suas próprias versões da história. E para nós, jornalistas investigativos, que acreditamos que é impossível alcançar a verdade plena e a imparcialidade, cremos que enquanto maior a diversidade de opiniões e perspectivas sobre o fato histórico, mais nos aproximamos dessa “verdade” e “imparcialidade”, mas nunca a alcançamos. Esse foi o nosso norte.

Vários políticos e empresários envolvidos na órbita de PC Farias ainda hoje estão na atividade. Que lição é possível tirar disso? Achamos que a grande lição é que nesses grandes escândalos, a ideia é sempre “personalizar o culpado”, isto é, ao invés de condenar o sistema, que permite esse tipo de ocorrência aconteça com uma frequência alucinante, responsabiliza e individualiza sempre uma só pessoa. Ao invés de corruptores e corruptíveis, para que o sistema continue funcionando sempre da mesma forma e para que a manada possa passar, incólume. Ao mesmo tempo, o sistema que temos é exatamente esse que está aí. É necessário que haja constante análise e acompanhamento das brechas da legislação. É através dessas brechas que a corrupção se acomoda. Infelizmente esse processo de monitoramento sistemático é necessariamente mais lento do que a sanha humana em ganhar dinheiro o mais rápido possível.

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