Porta-voz do movimento de mulheres trans no Brasil, Gabriela Loran está em Cara e Coragem, de Claudia Souto, que acaba de estrear – e foi a primeira atriz trans a viver uma personagem em Malhação, em 2018. Gabriela também se prepara para a estreia da segunda temporada de Arcanjo Renegado, na Globoplay, e estará em Novela, nova série do Porta dos Fundos para o Amazon Prime. Entre tantos projetos, nem tudo é comemoração. “Já passei por situações de preconceito em testes, nas quais pediam para que eu falasse ‘como uma pessoa trans’”, relata Gabriela, sobre as adversidades que lida. Confira o bate-papo:
O que representa ser uma atriz trans na Globo em pleno 2022?
A inclusão é um avanço. A gente vem conquistando muitas coisas enquanto comunidade trans. Estar contratada pela Globo me assegura, primeiro, uma estabilidade financeira, porque nós, pessoas trans, vivemos em constante vulnerabilidade social. Então, isso me permite fazer planos. Ter uma segurança financeira é ter como pagar o meu aluguel, me alimentar etc. Isso é importante. Além disso, é importante ter uma funcionária trans, gerar emprego para a população trans. Ainda é um desafio no Brasil.
Essa inclusão na TV é uma das formas de combate ao preconceito?
Sim, esse ainda é um dos nossos maiores anseios. É preciso que mais pessoas trans sejam contratadas, em todas as esferas, não só na TV, capacitação nós temos. Por exemplo, quando fiz Malhação, era parada na rua por mães, que falavam que a partir do momento que me viram e que pesquisaram sobre mim, foi potente para elas enquanto informação. Não estar ali (na TV) é uma engrenagem para o preconceito: se não somos vistas, as pessoas não vão saber que existimos.
Já sentiu preconceito fazendo testes na carreira artística?
Sem dúvidas. Já passei por situações de preconceito em testes, nas quais pediam para que eu falasse “como uma pessoa trans”, pediam para que eu me “comportasse como uma pessoa trans”. Já me perguntaram se eu estava montada, como eu era montada… Mas uma trans não se monta! Não somos drag queens, não é expressão artística, é identidade.
O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. De que forma isso te assusta no dia a dia?
Me assusta muito. Há muita violência. E as pessoas trans morrem apenas por serem quem elas são, não cometeram nenhum crime. Basta andar na rua e, de repente, ser assassinado ou sofrer algum tipo de agressão por conta da sua condição de vida. É assustador, isso é muito triste. Um dossiê da Antra mostra que o Brasil há 13 anos é o país que mais mata pessoas trans no mundo. Estamos lutando por direitos básicos, direito pela vida.
Como sua família lidou com a questão?
A minha família foi aprendendo comigo, nunca me escondi. Quando descobri minha identidade de gênero, comecei a performar minha verdadeira identidade. Então foi uma reconexão com o meu verdadeiro gênero, que é o feminino. Minha família foi aprendendo junto comigo. Era novo para eles, mas eles se propuseram a me entender. Passei por preconceitos velados, que são enraizados na sociedade? Sim, minha família nem sempre foi perfeita. Mas houve boa vontade de querer aprender.
Acha possível, no Brasil atual, termos uma protagonista trans em horário nobre?
Estou preparada e, se o Brasil não estiver preparado, o problema é dele. Porque nós, pessoas trans, estamos preparadas para esse protagonismo, sim! E esse protagonismo precisa acontecer o mais rápido possível, porque é justamente o que vai contrapor a todo esse preconceito. O que falta é perderem o medo de falar sobre trans. Quero viver protagonistas.