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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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O ministro Lula do presidente Lula

Nome para a Fazenda será alguém que joga para o presidente fazer o gol

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 14 nov 2022, 14h36 - Publicado em 14 nov 2022, 10h48

No início do ano, publiquei neste espaço artigo com o título “O ministro da Fazenda de Lula é o próprio Lula (você pode ler aqui). Sigo na mesma toada. Quem espera a nomeação de um Posto Ipiranga, um nome que por si só trará uma mensagem para o mercado, vai se decepcionar.

Lula não vai escolher um ministro que tenha um brilho independente do seu. O ministro da Fazenda de Lula – e isso vale para outras pastas – é aquele que jogar para que Lula faça o gol.

No discurso de quinta-feira, dia 10, em Brasília, Lula não falou uma frase que não tivesse dito antes ao longo da campanha. Até o tom era emocional, com as lágrimas ao falar da volta da fome dos miseráveis, o deboche ao citar Bolsonaro e a voz mais nasal ao desdenhar dessa “tal de estabilidade fiscal”. Quando perguntado sobre a reação do mercado à fala, Lula foi irônico: “O mercado fica nervoso à toa. Eu nunca vi um mercado tão sensível como o nosso. É engraçado que esse mercado não ficou nervoso com quatro anos do (governo Jair) Bolsonaro”.

O discurso presidencial foi uma provocação desnecessária e a reação do mercado financeiro, exagerada. Na primeira semana pós-eleição, a B3 havia subido 3,16% e o dólar, caído 4,49%. Nesta semana, a bolsa recuou 5% e o dólar subiu 5,4%. Nem na primeira semana Lula era Fernando Henrique Cardoso, nem nesta ele virou Dilma Rousseff.

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O discurso de Lula foi como uma declaração de princípios: ele vai governar para o seu eleitorado, os mais pobres. Na sua avaliação, se ele não conseguir atender rapidamente anseios dos mais pobres, o seu governo pode dar errado. Ele está certo. O fantasma do estelionato eleitoral de Dilma Rousseff em 2015 ainda está fresco demais na memória do eleitor.

Onde Lula está errado é na forma. O Orçamento de 2023 enviado pelo governo Bolsonaro é uma peça de ficção. Não prevê o Auxílio Brasil de R$600 e aumento real no salário mínimo e cortou 90% dos gastos com programas como Farmácia Popular e Minha Casa Minha Vida. A reformulação desse Orçamento já estava precificada no mercado e na política. O que não estava (e ainda não está) é a improvisação do time de Lula nestas primeiras semanas pós-eleição.

Lula não decidiu quem é o seu ministro da Fazenda. Quer alguém em quem confie completamente, saiba que sua missão principal é assegurar uma política social robusta, tenha capacidade de negociar com o Congresso e interlocução com o mercado. Essa pessoa ainda não foi encontrada.

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Sem um ministro indicado, a equipe de transição do governo eleito iniciou uma negociação às cegas com o Congresso para aprovar um espaço no Orçamento que garanta as promessas de campanha e mantenha o presidente popular.

Como os negociadores de Lula não têm garantia de cargo no governo, o Congresso pode impor condições com as quais nenhum deles vai arcar no futuro. É como se as raposas estivessem decidindo onde ficam as câmeras de segurança do galinheiro.

Ao longo de dez dias, foram quatro propostas de mecanismos diferentes para abrir brecha no Orçamento. A equipe começou falando em Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para abrir espaço no Orçamento de 2023, depois de uma Medida Provisória, chegou a pensar em usar uma decisão do STF sobre renda básica e terminou a sexta-feira, dia 11, com um projeto de PEC exclusivo para o Bolsa Família.

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Na mesma velocidade com que mudava de ideia sobre a forma de obter mais recursos, a equipe de transição foi ampliando o valor. Começou com R$ 75 bilhões, evoluiu para R$ 105 bilhões e chegou a um consenso interno de que R$ 120 bilhões estava perfeito. Daí chegou o Centrão, sempre disposto a ajudar dependendo do preço.

Há condições e armadilhas do presidente da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, nas negociações em curso:

*Eles asseguram a retirada do Bolsa Família do Orçamento a um limite de gastos de até R$ 175 bilhões. Mas apenas para o ano de 2023. Deixar o Bolsa Família fora do teto de gastos por quatro anos seria como garantir a eleição do candidato de Lula em 2026.

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*Essa manobra abriria um espaço de R$ 105 bilhões para gastos realmente necessários, como a recomposição do orçamento da Saúde, mas também do orçamento secreto, o subterfúgio que dá a Lira e Pacheco controle sobre seus pares.

* Como informou o jornal digital Jota, existe uma articulação para que a PEC do Bolsa Família entre em vigor imediatamente, o que significa que ele já terá efeito no Orçamento deste ano. Se isso acontecer, os R$ 10 bilhões contingenciados hoje (sendo R$ 7 bilhões do orçamento secreto) podem ser gastos imediatamente.

* O relator do Orçamento 2023, senador Marcelo Castro, quer ampliar a brecha de R$ 175 bilhões para R$ 198 bilhões, criando um mecanismo para destinar 2% da receita corrente líquida para investimentos e obras, atendendo o lobby das construtoras.

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Na sexta-feira, dia 11, uma dúzia de petistas sugiram nos jornais e telejornais para minimizar a grita do mercado e defender o discurso do chefe. “O mercado exagerou” é a mesma coisa que dizer “a culpa é sua que não entendeu”. Um ministro da Fazenda minimamente qualificado saberia modular essa frase no léxico econômico, informando por exemplo que haveria compensações de receita (volta do PIS/Cofins e IPI, reforma tributária, etc.).

Lula vai pagar duas contas com a aprovação da PEC do Bolsa Família. A primeira, que ele parece disposto a pagar, é a reeleição de Lira e Pacheco na eleição de fevereiro, incluindo a manutenção do orçamento secreto, ou uma fórmula substituta pela qual os congressistas tenham poder sobre parte dos gastos públicos.

A segunda é mais sutil. Lula perdeu de saída o benefício da dúvida do mercado em um momento em que ele precisa de boa vontade. As bravatas de quinta-feira e a demora de indicar um ministro da Fazenda reforçam preconceitos que o presidente eleito havia superado no segundo turno, quando obteve apoio de economistas liberais importantes. Essa conta é cobrada aos poucos.

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