O primeiro ato do presidente da Câmara, Arthur Lira, ao se eleger doze dias atrás foi alterar as regras e cancelar a eleição dos demais diretores da Casa. No dia seguinte, Lira manipulou as normas para tirar o lugar na Mesa que o PT, partido com a maior bancada de deputados, teria direito para dar a um aliado. Quando o plenário escolheu os novos integrantes da direção da Câmara, Lira ajudou a eleger os representantes da oposição mais cordatos a ele, Marília Arraes (PT) e Cássio Andrade (PSB).
No segundo dia como presidente, Lira indicou a deputado mais desqualificada da Câmara (e olha que a concorrência é grande!), Bia Kicis, para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça, o comitê que analisa a legalidade de todos os projetos de lei e medidas provisórias. Líder do gabinete do ódio, Kicis tem os conhecimentos jurídicos do tribunal de Salem. Lira pretende ainda dar à desastrada deputada Carla Zambelli o controle do orçamento de comunicação da Câmara.
Com o Brasil há vinte dias registrando mais de 1.000 mortes por Covid por dia, Lira decidiu sozinho que a prioridade da sua gestão era votar a autonomia do Banco Central, projeto que circula no Congresso desde 2017. A aprovação foi um gesto de força ao mercado, que mantinha relações carnais com o antecessor de Lira, Rodrigo Maia.
Quando o ministro Paulo Guedes tentou empurrar a ideia de que a votação da autonomia do BC era obra sua, Lira o rebaixou. Ele intimou o ministro da Economia a apresentar imediatamente um projeto sobre Auxílio Emergencial sob risco de a Câmara decidir sem ouvir o governo. Justiça seja feita, Lira tem razão. Desde agosto, Guedes tem como missão apresentar um projeto para substituir o Auxílio Emergencial e só apresenta promessas.
Num gesto simultaneamente simbólico e mesquinho, Lira ordenou o despejo do Comitê de Imprensa, local onde há 50 anos trabalham os repórteres que fazem a cobertura das atividades legislativas. No lugar, ele instalará o próprio gabinete. Com a realocação, o presidente da Câmara não precisará mais transitar pelo Salão Verde, espaço de circulação da Câmara onde as autoridades costumam ser abordados pelos jornalistas. A partir da semana que vem, os profissionais da imprensa irão para uma sala provisória de 100 metros quadrados. A anterior tinha 288 metros.
Enquanto era um deputado do Centrão, Arthur Lira era conhecido com um parlamentar “afável”. Transitou do apoio à Dilma Rousseff, para Michel Temer e, agora, Jair Bolsonaro sem gerar inimizades. Mas como no aforismo atribuído ora à Nicolau Maquiavel, ora a Abraham Lincoln, “você só conhece um homem quando ele tem poder”.
Uma vez com poder, Lira se comporta com a mesma truculência de exército de ocupação de seu antecessor Eduardo Cunha. Eleito pelo mesmo Centrão de Lira, Cunha fez da presidência da Câmara um contraponto ao Palácio do Planalto e um polo magnético para empresas com interesses no Congresso. Quando caiu em desgraça, terminou sendo sacrificado pelos próprios deputados. Eleito como voto de 3 de cada 5 deputados, Lira tem dois anos de mandato pela frente e a possibilidade de reeleição em 2023. Não precisa reafirmar que tem poder para demonstrar que o tem.