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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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A roleta-russa de Bolsonaro

Solidariedade do brasileiro a Putin abala relações com os EUA; Itamaraty desvincula opiniões do presidente das votações do Brasil na ONU

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 20 fev 2022, 11h59

Demorou um ano para a administração Biden começar a tratar o Brasil de Bolsonaro como um país adulto, no qual os atos acarretam consequências. Na sexta-feira, 18, a porta-voz do presidente Joe Biden, Jen Psaki, afirmou que o Brasil “parece estar do outro lado de onde está a maioria da comunidade global”, ao responder sobre a solidariedade do presidente Jair Bolsonaro à Rússia ao meio da crise com a Ucrânia. “A vasta maioria da comunidade global está unida em uma visão compartilhada, de que invadir um outro país, tentar tirar parte do seu território, e aterrorizar a população, certamente não está alinhado com valores globais e, então, acho que o Brasil parece estar do outro lado de onde está a maioria da comunidade global”, disse Psaki.

A declaração da porta-voz presidencial vem um dia depois de o Departamento de Estado ter condenado o timing da visita de Bolsonaro a Vladimir Putin. À TV Globo, um porta-voz oficial do secretario Antony Bliken disse “o momento em que o presidente do Brasil se solidarizou com a Rússia, enquanto as forças russas estão se preparando para potencialmente lançar ataques a cidades ucranianas, não poderia ter sido pior. Vemos uma narrativa falsa de que nosso engajamento com o Brasil em relação à Rússia envolve pedir ao Brasil que escolha entre os Estados Unidos e a Rússia. Esse não é o caso. A questão é que o Brasil, como um país importante, parece ignorar a agressão armada por uma grande potência contra um vizinho menor, uma postura inconsistente com sua ênfase histórica na paz e na diplomacia”.

No sábado, 19, o Ministério das Relações Exteriores tentou se desvincular de Bolsonaro. Em nota, o Itamaraty disse que “as posições do Brasil sobre a situação da Ucrânia são claras, públicas e foram transmitidas em repetidas ocasiões às autoridades dos países amigos e manifestadas no âmbito do Conselho de Segurança das Nações Unidas” e não são “construtivas, nem úteis, portanto, extrapolações semelhantes a respeito da fala do Presidente”. Em português: nada do que Bolsonaro falou em Moscou será levado em consideração nas votações do Brasil nos organismos internacionais.

É tarde demais. As duas declarações mudam o tom do relacionamento entre os países. Nesses três anos de mandato, Bolsonaro se acostumou a ser um imitador amalucado de Trump, capaz de xenofobia contra a China, grosseria com a mulher do presidente francês e preconceito contra a Argentina. Era o país que escondia dados de desmatamento da Amazônia, disseminava mentiras sobre fraudes nas eleições dos EUA e que havia reduzido o profissionalismo da diplomacia brasileira a um comitê de terraplanistas (justiça seja feita, os profissionais voltaram ao Ministério no ano passado com Carlos França). O caso Putin, no entanto, parece ter esgotado a paciência dos EUA.

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Na quarta-feira, 16, Putin recebeu Bolsonaro no Kremlin e o brasileiro disse que o presidente russo “busca a paz”. Perguntado sobre a irritação dos americanos, ele disse, “tivemos informações de que alguns países não gostariam que o evento [a reunião dos dois presidentes] se realizasse, que o pior poderia acontecer com nossa presença aqui. Entendo a leitura do presidente Putin, que ele é uma pessoa que busca a paz. E qualquer conflito não interessa a ninguém no mundo”. Antes de visitar o presidente húngaro Viktor Orban, em Budapeste, Bolsonaro disse que sua relação com Putin “é mais que um casamento perfeito o sentimento que eu levo para o Brasil”.

O irônico é que a maior preocupação de Bolsonaro na viagem a Moscou não era a reação internacional, mas a possibilidade de ser fotografado na mesma mesa de 6 metros de distância de Putin, como aconteceu com o presidente francês Emmanuel Macron. O medo de virar um meme nas redes sociais aterrorizou Bolsonaro a tal ponto que ele se submeteu à exigência de fazer cinco testes de Covid antes do encontro oficial, dois deles pela equipe de saúde russa.

A preocupação com os memes era tamanha que, logo ao sair do encontro, as redes bolsonaristas saudavam o presidente por ter evitado a guerra. Vídeo falsos de Putin dizendo, em russo, ter sido convencido pelo brasileiro a uma solução pacífica foram espalhados para centenas de milhares de fiéis. Para Bolsonaro, a política externa é um puxadinho da campanha eleitoral.

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Bolsonaro decidiu ir à Rússia por inveja do sucesso do internacional de Lula da Silva. Em novembro, logo depois de Bolsonaro ter tido seus pedidos de reuniões bilaterais recusadas por todos os dirigentes importantes do G20, em Roma, e o Brasil ter sido flagrado mentindo na Conferência sobre Mudanças Climáticas, em Glasgow, Lula foi recebido pelos presidentes da França e Espanha, além do futuro chanceler da Alemanha. O recado claro era que a União Europeia aguardava ansiosamente por uma troca no Palácio do Planalto.

Irritado, Bolsonaro ordenou a organização de uma viagem que rivalizasse com a de Lula. Os diplomatas tentaram inicialmente o Reino Unido, mas a assessoria de Boris Johnson recusou. A Holanda e a Polônia também declinaram, alegando cuidados com o novo pico da Covid. Sobraram Rússia e Hungria. Em novembro, quando as tensões na fronteira da Ucrânia não era assunto, parecia uma boa alternativa.

Em 10 de janeiro, com a crise instalada, o chefe do Departamento de Estado Antony Blinken telefonou para o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, pedindo que a viagem fosse suspensa. Em uma segunda conversa, França disse que a viagem estava mantida, mas – segundo fontes americanas – teria insinuado que Bolsonaro poderia recuar se recebesse um telefonema do presidente Biden. Os americanos acharam que o risco de Biden ligar e Bolsonaro ir mesmo assim a Moscou era grande demais e não atenderam o pedido.

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Em outro cenário histórico, a antipatia da Casa Branca poderia significar a queda de um presidente brasileiro. Hoje, tempos mais amenos, Bolsonaro conseguiu seus memes a favor, mas sofrerá consequências. Por protocolo, é impossível que Biden receba o candidato Lula da Silva na sua visita aos EUA em maio ou junho, mas é certo que a diplomacia americana passará a acentuar nas suas conversas mais as convergências do que as divergências entre os dois países nos tempos do PT. É certo que a boa vontade americana com a inclusão do Brasil em organismos como a OCDE e obviamente a Otan estarão congeladas até a saída de Bolsonaro do Planalto, seja quando ela ocorrer. A Casa Branca vai contar os dias até as eleições, mas cresceu exponencialmente a possibilidade de uma reação pública de Biden defendendo eleições limpas no Brasil e a organização de uma reação internacional caso Bolsonaro recuse a reconhecer uma eventual derrota em outubro.

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