Baixinho, com voz estridente e visual extravagante, o escritor Truman Capote (1924-1984) fazia questão de ser tão inesquecível quanto as histórias que o consagraram. Autor de obras notáveis de ficção e não ficção, como a comédia romântica Bonequinha de Luxo (1958) e a acachapante reportagem criminal A Sangue Frio (1965), ele foi crucial para os rumos do jornalismo literário, comoveu os Estados Unidos e logo foi cooptado pela elite intelectualizada nova-iorquina, onde encontrou seu alicerce nas amizades com socialites ricaças. Por quase vinte anos, viveu em bailes regados a champanhe e fofocas escandalosas. Até que, em 1975, publicou na revista Esquire o primeiro capítulo do romance Súplicas Atendidas, intitulado La Côte Basque 1965 — mesmo nome do restaurante em que costumava encontrar suas madames de estimação, apelidadas de “cisnes”. Pouco velados, lá estavam segredos de suas amigas, de traições conjugais a acusações de assassinato. Quebrada a confiança, o dândi mexeriqueiro nunca pôde completar a obra, foi expulso dos círculos que amava e não se recuperou da queda até a morte, aos 59 anos, resultante do vício em drogas.
Trágico e fabuloso, o causo agora é contado em Feud: Capote vs. The Swans, nova produção de Ryan Murphy recém-chegada ao catálogo do Star+. Difícil imaginar alguém melhor para levar esse babado da alta sociedade americana à tela: experiente em retratar ricaças decadentes em séries como Halston e a própria Feud, Murphy tem não apenas o repertório, como um arsenal preciso de intérpretes. Para viver as socialites, ele recorreu às magnéticas Naomi Watts, Diane Lane, Chloë Sevigny, Calista Flockhart, Demi Moore e Molly Ringwald — que se fantasiam de Babe Paley, Slim Keith, C.Z. Guest, Lee Radziwill, Ann Woodward e Joanne Carson, respectivamente. Junto delas, o ator Tom Hollander impressiona no protagonismo pela semelhança com Capote e por seu peculiar equilíbrio entre sarcasmo e vulnerabilidade.
O novo Feud expõe, sobretudo, um aspecto essencial da personalidade flamejante do escritor: Capote foi abertamente gay quando isso ainda era tabu nas altas-rodas — mas não entre as carentes ricaças que o abraçaram, tipicamente, como um amigo descolado. “Capote era assumido e foi pioneiro nessa postura na literatura americana, ao lado de gente como Gore Vidal e Tennessee Williams”, disse a VEJA o diretor Gus Van Sant, responsável pelo apuro plástico da série. A homossexualidade o afastou de figurões viris, mas o aproximou de mulheres que compreendiam bem as restrições sociais e se identificavam com seus romances — conexão rompida quando essas fãs se sentiram traídas pelo amigo. Nos oito episódios, uma mescla de fatos e ficção delineia as mazelas das dondocas e os motivos da tenacidade do autor, cujas palavras eram como que um mecanismo de defesa. Tão lacerante quanto há meio século, a língua ferina de Capote desmascara a hipocrisia a seu redor — mas atinge mérito excepcional quando conta sua história mais reveladora: a de si próprio.
Publicado em VEJA de 10 de maio de 2024, edição nº 2892