‘Grace and Frankie’ jogou luz sobre as dores e as delícias da 3ª idade
Série da Netflix, agora em sétima e última temporada, abriu portas para a nova onda que coloca idosos e seus dilemas no protagonismo
Na casa do namorado, Grace (Jane Fonda), uma senhora elegantérrima na casa dos 80 anos, descobre um problema embaraçoso: para conseguir se erguer do vaso sanitário, precisa se alçar a uma estátua temporária no banheiro, o que não dá muito certo. A intempérie faz com que ela recorra à melhor amiga, também oitentona, Frankie (Lily Tomlin). A solução pensada por elas? Uma engenhoca que ejeta o usuário da privada em segurança. O projeto, descobre-se depois, não é útil apenas aos problemas de coluna e joelho de Grace, mas a uma geração de idosos que não tinha suas necessidades específicas atendidas pelas facilidades da vida moderna. A dupla, protagonista da série de comédia da Netflix Grace and Frankie, decide, então, vender a ideia para uma grande empresa americana.
A escassez de produtos criativos voltados para os idosos era também um problema no cenário do entretenimento. Com pouco espaço na televisão, raras eram as vezes em que a terceira idade protagonizava alguma produção – e Grace and Frankie, assim como o fez com a criativa engenhoca batizada de “The Rise Up”, foi uma das pioneiras da boa fase do tipo na TV. Ou melhor, no streaming. Com ampla variedade de catálogo e capacidade de desenvolver múltiplas tramas ao mesmo tempo, as plataformas expandem o leque de públicos-alvo a um modo que a TV aberta – muito mais suscetível às tendências do mercado – não consegue. Talvez seja por isso que, do ano passado para cá, quem tem mais de 60 anos aumentou em 89% o uso de streamings pagos como a Netflix, segundo uma pesquisa do Kantar Ibope. O tédio pandêmico com certeza deu um empurrãozinho para a estatística, mas não é de hoje que a indústria tem se mexido para acomodar o segmento.
Bem antes da sétima temporada de Grace and Frankie chegar à plataforma de surpresa no último fim de semana, a série já mirava em assuntos pouco explorados pela mídia. E mais, com a leveza necessária para criar um contraponto às dramáticas histórias de idosos com Alzheimer e câncer, dominantes quando se trata do protagonismo idoso. Jane Fonda deixou isso claro quando a estreia aconteceu em 2015: “Ninguém está se dirigindo aos mais velhos, é isso que é incomum na série.”
Ao começar do começo, a produção engata com os respectivos maridos de Grace e Frankie pedindo divórcio, porque, amantes de décadas, decidiram passar os últimos anos de vida casados e sem guardar segredos do resto da família. Elas, então desafetas, passam a morar juntas em uma disputa por uma casa na praia – e, assim, dão início a uma amizade deliciosamente improvável. Grace é a clássica dondoca elegante e carrancuda, enquanto Frankie, doidinha de pedra, guarda quilos de maconha em casa e faz todo tipo de ritual para renovar as energias. É de Frankie outra ideia de invenção para a terceira idade que conduz as primeiras temporadas: um vibrador (por que não?), ajustado às necessidades e dificuldades de mulheres idosas sexualmente ativas. E, pasme, não são poucas. O produto “Ménage à Moi” não é apenas um quadro cômico em uma série de comédia, mas uma ênfase na valiosa mensagem de que ainda há muita diversão a ser vivida pela faixa etária mais velha.
A série de comédia O Método Kominsky, também da Netflix, é outra que defende a tese de que a velhice não é nada incapacitante. Na trama, Sandy (Michael Douglas) é um ator que teve seus quinze minutos de fama em Hollywood, mas nada além disso. Aposentado, decide se dedicar a ensinar artistas iniciantes com o tal do “método Kominsky”, sua própria metodologia, e é amparado pelo agente e melhor amigo Norman Newlander (Alan Arkin). Sandy, que teve três casamentos fracassados, continua em busca de uma companhia para passar os anos de velhice; Norman, por outro lado, precisa aprender a lidar com a morte da esposa. As três temporadas da sitcom são movidas por aventuras que comprovam que, não importa o quão gastas estejam, nunca é hora de pendurar as chuteiras da vida. E que bom que as plataformas de streaming estão aí para reforçar a mensagem.