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Por Kelly Miyashiro
Críticas e análises sobre o universo da televisão e das plataformas de streaming
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Exclusivo: VEJA revela os segredos da fábrica de novelas da Netflix

Os bastidores da primeira série brasileira com legítimo DNA de novela produzida pelo streaming — é a largada de uma corrida que deve renovar o gênero

Por Marcelo Marthe Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 25 ago 2023, 11h48 - Publicado em 25 ago 2023, 06h00

Após gravar uma cena dilacerante, com choro e barracos familiares, Juliana Paes exibe a página com o “bifão” — apelido que se dá na teledramaturgia aos monólogos longos de um personagem — que acaba de interpretar. O roteiro está visivelmente molhado, mas não se trata de lágrimas. “Olha como meu rascunho ficou por causa da umidade que faz aqui”, diz a atriz. O cenário, de fato, tem clima peculiar: uma mansão no bairro carioca do Alto da Boa Vista, cercada da vegetação exuberante da Mata Atlântica, com muita água de riachos, cantos de aves — e mosquitos. Percebe-se ali, também, uma movimentação humana característica: há um vaivém frenético de técnicos, atores e equipamentos envolvidos na criação de um pequeno mas emblemático segredo da Netflix — ao qual VEJA teve acesso em primeira mão, de forma exclusiva. Com Juliana Paes no papel da sofrida heroína Liana, Pedaço de Mim dá a largada a uma aposta muito antecipada e que agora, enfim, deslancha de vez: a entrada do gigante global na produção de séries de melodrama — as novelas do streaming.

A corrida para transpor ao universo das plataformas digitais as produções de um gênero tão identificado com a TV aberta brasileira, dos folhetins da Globo às novelinhas infantis do SBT, é uma briga de peixes graúdos. Em meio à pandemia, a HBO Max contratou executivos e estrelas globais para iniciar sua produção de novelas, mas os ajustes decorrentes da fusão da corporação com o Discovery atrasaram os trabalhos. Agora, o projeto andou: na semana passada foi feita uma primeira leitura de Beleza Fatal, drama criado pelo estrelado escritor Raphael Montes. As gravações começam em setembro, em São Paulo, com um quarteto de feras: Camila Queiroz, Camila Pitanga, Vanessa Giacomo e Giovanna Antonelli. Em outubro, a HBO inicia ainda a gravação de uma adaptação de Dona Beija, levada ao ar nos anos 1980 pela extinta Rede Manchete. A própria Globo vem se movendo há tempos para lidar com a concorrência que vem por aí, ao turbinar investimentos em novelas e séries com seu DNA no Globoplay. Mas os lances que sempre foram mais aguardados diziam respeito à Netflix, claro, com sua imensa base de assinantes, além de uma agressiva política de investimentos em programas originais.

A telenovela e o futuro da televisão brasileira

Nem mesmo a crise que provocou uma reinvenção da companhia nos últimos meses fez a Netflix abandonar o sonho de criar melodramas com a cara do Brasil — pelo contrário: eles são vistos internamente como um modo fundamental de estreitar a relação com o espectador local. “A razão é simples: o brasileiro ama novela. A gente quer ter variedade de gênero e servir vários públicos, e não tínhamos nada nesse sentido”, diz Elisabetta Zenatti, VP de conteúdo da Netflix no país. O desembarque vem em dose dupla: além de Pedaço de Mim, melodrama adulto cujas gravações foram finalizadas na semana passada, a plataforma prepara, em fase mais avançada de pós-produção, uma novelinha infantojuvenil chamada Luz. Ambas devem estrear na Netflix no primeiro semestre de 2024.

EXPERIÊNCIA - A atriz com Farias e Brichta: aposta em nomes fortes da Globo
EXPERIÊNCIA - A atriz com Farias e Brichta: aposta em nomes fortes da Globo (Marcos Serra Lima/Netflix)

Entre a decisão de apostar nos melodramas e a concretização disso, gastou-se muito tempo e esforço para encontrar os profissionais certos. Filmar algo assim com uma produtora independente, como costumam fazer os streamings estrangeiros por aqui, já é um desafio: no Brasil, o know-how de produzir novelas sempre foi dominado pelas próprias emissoras, em especial a Globo. Identificar uma boa história é ainda mais complexo. Por dois anos, a equipe de Elisabetta analisou argumentos sem fim de possíveis tramas. A busca era pelo que ela chama de “blend”: um roteiro enxuto e com reviravoltas como os das séries maratonáveis da Netflix, mas com essência dramática de folhetim. “Foi muito difícil. Recebemos várias ideias que talvez fossem ótimas para uma série, mas não tinham melodrama suficiente. E também deparamos com o oposto: melodramas puros que não tinham os elementos das séries”, diz.

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Almanaque da telenovela brasileira

O atalho para absorver de forma rápida e eficaz os fundamentos do melodrama foi óbvio: cercar-se de profissionais e rostos conhecidos da Globo. Em Pedaço de Mim, Juliana Paes (leia a entrevista) forma par com outro ator pop, Vladimir Brichta. A produção foi escrita por uma autora que deixou a emissora recentemente, após 28 anos de casa, a carioca Ângela Chaves. Mimetizando mais uma vez a tradição da TV aberta, a Netflix proveu a autora de suporte para reforçar o realismo da trama. “Eles me deram uma pesquisadora e consultores para temas sensíveis. Nisso, foi bem parecido com o que eu tinha na Globo”, diz Ângela. O diretor da produção também é um veterano de lá: por décadas, Maurício Farias foi responsável por novelas e séries da Globo. Até a novelinha Luz carrega essa marca: entre seus protagonistas está um ex-galã descamisado de novelas das 7, Marcos Pasquim. E a preparadora da carismática Marianna Santos, atriz pré-adolescente que faz a personagem-título, é figurinha carimbada dos bastidores globais, a atriz Isabela Garcia.

A busca por um equilíbrio entre as novelas e as séries contemporâneas é não apenas curiosa: com isso, há esperança de que o streaming traga um sopro de renovação aos folhetins nacionais, preparando-os para competir globalmente com os dramas hoje criados por países como a Coreia do Sul. Luz é um exemplo dessa nova fronteira criativa. Fenômenos que já dominaram o ranking da Netflix, produções infantis do SBT como Chiquititas são uma flagrante inspiração da trama. Mas a série — que envolve uma escolinha e uma comunidade indígena — dá um banho de loja na receita, em matéria de roteiro e cenografia. “O objetivo é promover uma diversão em família, para que as crianças e os adultos verdadeiramente assistam juntos”, diz o diretor Thiago Teitelroit.

NOVELINHA - A protagonista Marianna Santos com Isabela Garcia (acima) e Marcos Pasquim no set de Luz: produção família
NOVELINHA - A protagonista Marianna Santos com Isabela Garcia (acima) e Marcos Pasquim no set de Luz: produção família (Aline Arruda/Netflix)

O número reduzido de capítulos — Pedaço de Mim deverá ter entre quinze e dezoito — dá outra pista da transformação que as novelas sofrerão no streaming. Parece um detalhe frugal, mas seu efeito sobre a paciência do espectador é imenso: sem a obrigação de se desdobrar por mais de 100 capítulos, os autores poderão eliminar as gorduras. “Se nas novelas da TV é comum a necessidade de reiterar situações, numa série de streaming isso soa anacrônico. O público quer que as coisas aconteçam”, diz Maurício Farias.

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A regra é não ter regras: A Netflix e a cultura da reinvenção

A julgar pela gravação acompanhada por VEJA no casarão tropical, embora o ritmo dos acontecimentos pareça realmente mais intenso, o teor emocional (e de choro) permanece o mesmo dos melodramas. Liana, a protagonista de Juliana Paes, é uma terapeuta ocupacional de formação conservadora que sonha em ser mãe, mas se separa do marido, Tomás (Vladimir Brichta), e se envolve com outro homem. O destino, então, lhe prega uma peça trágica (spoiler que será preservado aqui). Na casa serrana que a locação emula, Liana vai sofrer enquanto os espectadores — inclusive do exterior — poderão se deleitar com a paisagem verde luxuriante.

O cenário natural tem óbvio apelo de exportação, o que indica as oportunidades que se abrem para as tramas nacionais. Livres das amarras da TV, mocinhas e galãs poderão ser mais tridimensionais, como os heróis das séries. “Eles não precisam ser só bons ou maus. No streaming, o público aceita mais ousadias”, diz Ângela Chaves. “Cada vez mais, as pessoas vão curtir ver novelas de formas diferentes”, completa Vladimir Brichta. Os melodramas 3.0 estão para nascer.

Publicado em VEJA de 25 de agosto de 2023, edição nº 2856

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