Parceira fiel de José Leôncio (Marcos Palmeira) em Pantanal, Filó (Dira Paes) é uma das personagens mais queridas pelo público da novela das 9 da Globo. Conhecida por seu coração empático e gigante, a dona de casa transita entre os papéis de mulher do fazendeiro e de empregada da fazenda, mas cativa como uma das mais sensatas da trama. Em entrevista a VEJA, a atriz explica as complexidades de Filó e avalia que o sucesso do folhetim que bomba nas redes e nas ruas se deve ao fato de que o brasileiro estava com saudade de uma história que desviasse do Brasil polarizado, unindo os telespectadores.
Confira a entrevista:
Como está sendo a experiência de gravar um clássico como Pantanal? Quando veio o convite do Papinha [o ex diretor da trama, Rogério Gomes], eu sabia e sentia aquela sensação de que era um convite importante. Eu fui fã de Pantanal lá atrás, então sabia da dimensão desse papel. Agora, o que me surpreendeu, realmente, foi a adesão do público à novela, aos temas, às propostas, às discussões que ela tem suscitado. Imaginávamos a repercussão porque o texto provocava sentimentos na gente também, mas romper essa quarta parede e estar no cotidiano do público, nas conversas dos encontros, sejam eles na feira ou num restaurante, surpreende. Meu filho [Inácio, de 14 anos] falou: “Até meus colegas estão assistindo a novela”. Isso é muito raro. O Pantanal por si, além do encontro com o público, tem sido uma equação de muita felicidade, de muita realização pessoal e eu imagino também por todos da novela.
Como enxerga o sucesso de Pantanal? Eu vi que ficou bem ativa no Twitter, acompanhando junto com o público. O que acha dessa repercussão toda? Acho que a Filó é uma personagem muito popular, porque ela tem um perfil de uma brasilidade feminina que a gente reconhece em várias famílias. Ela tem um espírito conciliador, mas ao mesmo tempo tenta de todas as maneiras dizer o que pensa dentro da sua capacidade e inteligência emocional, o que é natural da vida. Ela foi uma pessoa que jovem foi entendendo o mundo de uma forma cruel, que é através da exploração do seu próprio corpo. E aí agora consegue ter uma vida estável, ao lado de um homem que ela ama acima de tudo, com companheirismo. Tem sido bom ter esse feedback do público, porque eles estão atentos e essa troca nas redes sociais tem alimentado coisas muito bacanas que é a gente ter uma temperatura imediata do que o público está sentindo. A novela tem uma consistência, como um organismo que é vivo. O público ainda vai ter surpresas.
Mas por que você acha que a novela repercute tanto nas ruas e na internet? Eu estou tentando assistir à novela como público também. Fora as cenas de que participo, eu consigo ter um discernimento, eu reajo à novela. Mas eu te digo, eu acho que o Brasil estava com saudade do Brasil. Eu acho que o Brasil estava com saudade de se conectar ao mesmo tempo em torno de algo agradável que reunisse a família e que pudesse se falar de temas que não se falam de uma maneira mais suave, sem dogmas, sem querer impor nada, criando ideias. Essa reunião conectada no mesmo horário, que é a dinâmica de novela, estava se esvaindo. Foi uma reconexão que eu vejo isso no meu filho de 14 anos. Eu sinto que isso traz energia e vira uma potência. Nós, atores, sentimos isso na pele, os capítulos têm agradado muito o público. Eu vejo que as pessoas falam: “Nossa, quando achava que já tinha assistido ao melhor capítulo, vem outro melhor, mais envolvente, já quero outro”. Acho que o brasileiro estava com saudade desse encontro, de uma coisa sem polarização.
Como você avalia essa questão de subserviência da Filó, sendo uma personagem que está ali para servir o tempo todo. Enxerga isso de forma negativa ou positiva? Eu acho que a Filó é uma mulher que se submeteu a um formato de família sem almejar um reconhecimento dentro dos padrões naturais. Ela não quer nada que não seja para ela que não seja de verdade, de coração. E é uma relação que a gente vê muito por aí, de mulheres submissas e submetidas a trabalhos domésticos. E isso não é reconhecido de uma forma como a gente sabe que deveria ser. Acho que a Filó representa essa fatia da sociedade em que as mulheres precisam ser mais reconhecidas pela sua atividade doméstica, vamos dizer. Esse tratamento é muito comum na sociedade brasileira, então acho ótimo que isso seja a discussão da Filó. Ao mesmo tempo, ela não é uma mulher sem voz, né? Tem ali também uma alquimia entre ela e Zé Leôncio que, aparentemente, ele é o que fala mais alto, mas não é ele quem decide. A gente vai perceber que as decisões, apesar do Zé Leôncio falar alto, as decisões estão no silêncio da Filó. É uma personagem tão interessante, não é uma pessoa sem pecados. Ela é humana e falha, e essas falhas na conduta dela trazem umas dramaticidades.
Qual você acha que seria o final ideal assim para Filó de agora? O final mais justo é ela ficar com Zé Leôncio ou talvez encontrar um novo amor? Tem uma fala da Filó que ela diz assim: “Não é porque a gente ama um que a gente não pode sentir alguma coisa por outro”. Eu acho que ela tem um domínio total de que a qualquer momento ela poderia escolher um outro caminho, mas ela não escolhe porque ela não quer. Ela quer ficar do lado daquele homem específico. O que aconteceu entre eles é muito especial e a Filó tem um tipo de amor bem maduro, porque ela ama sem apego, sem propriedade. Ela ama Zé Leôncio sem ele ser dela no começo e eu acho que ela se sente amada por ele também. Eu acho que a Filó merece um reconhecimento mesmo como mulher do Zé Leôncio. Ela tem também uma questão com o filho ali, eu acho que ela não soube conduzir bem a relação do filho com o pai, então acho que ela primeiro precisaria resolver essa questão dessa paternidade do Tadeu [José Loreto], e aí depois decidir se o futuro dela é ao lado como “primeira-dama” ali do Pantanal ou se ela é uma mulher livre que a qualquer momento pode decidir por seguir seu rumo sozinha.
O público tem sentido muita sinergia entre o elenco, principalmente com muita nudez nos bastidores. O que você pode nos contar de curioso sobre isso? Sinergia é uma coisa rara e acho que isso imprime, é uma coisa que transborda na tela e o público está conectado isso. E quando eu falo que transborda, falo desse excesso de talentos de pessoas muito bacanas, conscientes. Os bastidores são de um lugar que faz 45 graus, ou seja, a gente tomar banho ou uma ducha parece uma brincadeira de criança. Vira todo mundo criança, porque, afinal de contas, é muito quente no Pantanal. Mas, ao mesmo tempo em que a gente está tendo um momento agradável de lazer, a gente também está passando texto, discutindo sobre personagem. É uma mistura de momentos no mesmo momento. É muito bom trabalhar dessa maneira, porque a gente começa a se entender de olhar, né? É um time muito potente de pessoas pensantes, com opiniões fortes e a gente tem muita troca sobre Brasil, sobre a nossa profissão e, claro, sobre os personagens.