Cerca de um ano atrás, a internet foi tomada por opiniões contrastantes sobre o julgamento altamente midiático entre duas estrelas de Hollywood, o ex-casal Johnny Depp e Amber Heard, com veredicto favorável a Depp. Johnny Depp x Amber Heard, nova série documental da Netflix, foi concebida com a proposta de analisar o imbróglio sob uma perspectiva de neutralidade e evidenciar como a opinião pública — concentrada principalmente nas redes sociais — orbitou todo o processo. Para isso, ao longo de três episódios, a diretora Emma Cooper costura gravações dos depoimentos dos atores, realizados em semanas diferentes nos tribunais, exibindo lado a lado as perspectivas divergentes de Depp e Heard. Enquanto a ideia era construir uma crítica, o produto final decepciona: trata-se de uma mera retrospectiva superficial. Pior: a série reforça o desequilíbrio de apoio que cada um recebeu, dando palco exagerado aos fãs de Johnny Depp.
Mirando na construção de uma reflexão sobre a era das redes sociais e a espetacularização da vida pessoal das celebridades, que não nos diz respeito, a diretora Emma Cooper se vale de múltiplos trechos de vídeos publicados no YouTube, TikTok e Twitch, feitos por criadores de conteúdo e influenciadores que “cobriram” o caso com comentários altamente subjetivos, dentre outros tipos de mídia e imagens de arquivo. Apesar de alguns conteúdos remeterem a apoiadores de Amber Heard, a predominância dos partidários de Depp sobrepõe seu lado da história, e alimenta ainda mais o rechaço que perseguiu a atriz após a derrota nos tribunais. As inúmeras piadas e memes anti-Heard acabam por descredibilizar, e até ridicularizar as sérias acusações de violência doméstica e difamação discutidas na Justiça. É constante no documentário, por exemplo, uma figura que veste uma fantasia do personagem Deadpool e se diz a favor do ator e ativista dos “direitos dos homens”.
Não foram realizadas entrevistas, nem com especialistas, nem com figuras envolvidas no caso — muito menos os próprios astros. O resultado é uma revisitação de tudo que aconteceu sem, porém, acrescentar novidade alguma ao debate. Além disso, a crítica pretendida é vazia, e até idiotizada. Ao contrário da “neutralidade” buscada, há ambiguidade. Mais interessante seria expandir o material para um contexto mais amplo de análise cultural: da toxicidade do ambiente on-line em que foi construído uma perseguição sistemática a Amber à misoginia perpetuada por grupos ditos “masculinistas”, que saíram de fóruns antes anônimos e hoje conquistam espaço com porta-vozes considerados “influenciadores” — alguns dos quais participaram do fenômeno anti-Heard.
A batalha legal espinhosa entre o ex-casal começou em 2016, quando Amber Heard pediu o divórcio e acusou Depp de agressão. O astro processou a ex-mulher por difamação, e por ela foi processado de volta. O veredicto, decidido por um júri em junho do ano passado, apontou que Depp e Heard haviam difamado um ao outro. No entanto, a atriz levou a pior: condenada a pagar mais de 10,35 milhões de dólares, contra os 2 milhões que receberia do ex-marido, ela não tinha dinheiro suficiente para arcar com a punição. Amber tentou apelar, pedindo pela anulação do julgamento e a realização de um novo. No final, acabou desistindo e fechou um acordo com o ex, em que pagaria 1 milhão de dólares ao ator, uma redução significativa da pena decretada pelo tribunal.