“Caro, Sérgio, eu estava lendo um artigo sobre um filme quando vi a seguinte frase: ‘Apesar da cena poder ter sido muito melhor, consegue fazer escorrer um suor hétero de quem sempre sonhou em ver isso’. Fiquei intrigado com uso da palavra ‘hétero’ na frase, porque entendo que nesse caso, nessa forma, não seria algo relacionado com heterossexualidade? Não seria mais correto o uso de ‘hetero’? Obrigado.” (Pablo Borges)
“Hétero”, com acento mesmo, é uma novidade – já nem tão nova – que o português brasileiro inventou como forma reduzida de “heterossexual”. Trata-se de uma palavra que pode ser empregada como adjetivo ou como substantivo de dois gêneros – não existe hétera.
Em textos formais deve-se evitar a versão abreviada: “heterossexual” continua sendo a forma clássica da palavra. Em todos os demais casos, porém, seu uso no português brasileiro está consagrado. O Aurélio ainda não se rendeu, mas o Houaiss e o “Dicionário de Usos do Português do Brasil”, de Francisco S. Borba, sim.
Em seu “Guia de uso do português: confrontando regras e usos”, a respeitada linguista Maria Helena de Moura Neves anota o seguinte: “A forma ‘hétero’ (acentuada) vem sendo usada como substantivo e como adjetivo, valendo por ‘heterossexual’”.
A forma “hetero”, sem acento, também pode ser encontrada por aí, mas não goza do mesmo prestígio. Seus defensores alegam que ela é mais fiel à pronúncia do elemento grego “hetero-” – que entra na composição da palavra “heterossexual” e que significa “outro, diferente”. No entanto, parece ocioso lutar contra a interpretação dominante de “hétero” como palavra proparoxítona, uma vez que se trata da primeira vez que esse elemento ganha existência autônoma.
Como curiosidade, observe-se que hétero é o melhor equivalente do inglês straight, com o mesmo equilíbrio difícil entre informalidade (que “heterossexual” não tem) e seriedade. Assim aparece na tradução de um artigo de Gore Vidal sobre o subtexto homoerótico do filme “Ben-Hur”, feita por Paulo Henriques Britto e publicada em 1995 pela “Folha de S.Paulo” – fragmento citado por Maria Helena Neves em seu livro como abonação de “hétero”: had turned straight as a die virou “havia se tornado o mais hétero dos héteros”.
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