
Neste instante, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) está depondo para o juiz federal Sérgio Moro no processo que trata do triplex que teria sido oferecido ao ex-presidente pela construtora OAS em troca de favorecimento em contratos da Petrobras. Mais do que qualquer outro aspecto, chama minha atenção a tentativa do ex-presidente de contaminar a atuação da Justiça com o argumento de que Moro estaria enviesado e, portanto, incapaz de julgá-lo de modo imparcial. É um raciocínio que traz à tona a ideia de “julgamento político” – ou seja, a atuação da Justiça não para fazer cumprir a lei, mas para fins políticos específicos, pré-determinados.
Mas esta definição ainda é muito vaga e não permite comparação histórica. Afinal, se Lula está sob julgamento “político” agora, precisamos olhar para o passado (remoto e recente) e verificar como isso se deu em outros países e contextos históricos. O livro “Political Trials in Theory and History” (Cambridge University Press, 2017), organizado por Jens Meierhenrich e Devin Pendas é útil para isso. Em sua introdução à obra, Meierhenrich e Pendas definem uma tipologia de julgamentos políticos a partir dos casos analisados no resto do livro. A importante novidade do estudo é que esses julgamentos podem ser realizados obedecendo à legislação vigente. Não são, portanto, “julgamentos de exceção”.
Três tipos de julgamentos podem ser considerados políticos. O primeiro, chamado de “julgamento decisivo” (decisive trial), serve para resolver uma questão de regulação política sobre a qual há grande discordância entre grupos sociais e políticos. E esta discordância não consegue ser sanada através de legislação ou eleições. O exemplo dos autores é a decisão da Suprema Corte norte-americana, em 1954, proibindo escolas separadas para diferentes raças no país. Políticos do sul dos Estados Unidos queriam a permanência da segregação e outros grupos políticos e sociais alegavam violação constitucional. A solução congressual não conseguiu ser dada por conta do controle sulista sobre o Senado dos Estados Unidos (algo descrito de modo magistral pelo historiador Robert Caro em “Master of the Senate”) e, por isso, os onze juízes da Suprema Corte tomaram a decisão final.
O segundo tipo de julgamento político é chamado de “julgamento didático” (didactic trial). A intenção desse tipo de julgamento é comunicar uma mensagem política. Pretende-se publicizar, para fins “educativos”, quão danoso é certo tipo de comportamento, para que não seja mais repetido. Um exemplo foi o julgamento na China, em 1981, de quatro membros do Partido Comunista (entre eles a última esposa de Mao Zedong, o ditador assassino). 35 juízes foram mobilizados para julgá-los sob o escrutínio de 880 cidadãos. A acusação, genérica, era de corrupção. Três receberam sentenças de prisão perpétua. Ficou a lição: se você participou de corrupção no governo anterior, você é culpado. A rápida infraestrutura chinesa é testemunha da relativa tolerância do partido com corrupção hoje.
Finalmente, o terceiro tipo de julgamento político é o “julgamento destrutivo” (destructive trial), cujo objetivo é aniquilar um inimigo político real ou imaginário. O julgamento de criminosos nazistas em Nuremberg, analisado de modo brilhante por Hannah Arendt, é um exemplo. Notem que não é necessário que, para ser destrutivo, o julgamento utilize expedientes ilegais ou procedimentos ambíguos.
Lula tenta convencer o povo de que os juízes brasileiros, especialmente Moro, consideram-no um inimigo político a ser destruído. Mas seu julgamento não se encaixa em nenhum desses três tipos. Portanto, não há nada de político nem persecutório no depoimento do ex-presidente. Ao contrário: faz parte de sua defesa legalmente garantida.
(Entre em contato pelo meu site pessoal, Facebook e Twitter)
Essa é uma matéria exclusiva para assinantes. Se já é assinante, entre aqui. Assine para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.
Essa é uma matéria fechada para assinantes e não identificamos permissão de acesso na sua conta. Para tentar entrar com outro usuário, clique aqui ou adquira uma assinatura na oferta abaixo
Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique. Assine VEJA.
Impressa + Digital
Plano completo da VEJA! Acesso ilimitado aos conteúdos exclusivos em todos formatos: revista impressa, site com notícias 24h e revista digital no app, para celular e tablet.
Colunistas que refletem o jornalismo sério e de qualidade do time VEJA.
Receba semanalmente VEJA impressa mais Acesso imediato às edições digitais no App.
Digital
Plano ilimitado para você que gosta de acompanhar diariamente os conteúdos exclusivos de VEJA no site, com notícias 24h e ter acesso a edição digital no app, para celular e tablet.
Colunistas que refletem o jornalismo sério e de qualidade do time VEJA.
Edições da Veja liberadas no App de maneira imediata.