Na briga com Lula, não são os brasileiros que Lira defende
A disputa entre o presidente da Câmara e o da República é desigual, mas o segundo está fraco por sua própria culpa
“O orçamento pertence a todos e a todas, não só ao Executivo”, proclamou o presidente da Câmara, Arthur Lira em duro discurso na abertura do ano Legislativo.
Tem razão o nobre deputado. O orçamento, que é realizado integralmente com receitas que provêm do bolso dos pagadores de impostos, pertence a todos os brasileiros. Óbvio.
Diferentemente do que tenta fazer crer, no entanto, não é o interesse dos brasileiros que o deputado defende. Os brasileiros têm muitos interesses, como não permitir o estouro do orçamento, defender a responsabilidade fiscal, manter a governabilidade, garantir que o governo federal tenha verbas para infraestrutura. E até reduzir o custo e o poder dos parlamentares, que Bolsonaro extrapolou.
Já os interesses de Lira são recuperar os R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão (que Lula vetou), a serem usados na campanha eleitoral; derrubar o articulador do governo, Alexandre Padilha (que, dependendo do ponto de vista, ou é pouco hábil ou acomoda pouco); e aumentar o próprio poder (que já é excessivo). São esses interesses que ele defende.
A tática de Lira não é muito diferente da de Bolsonaro. Ele avança, passa do limite, cria uma crise, e depois recua — mas nunca volta ao ponto em que estava antes. E funciona tão bem quanto a do ex-presidente, por sinal.
Lira é o maior obstáculo que Lula tem: se o presidente resiste, não consegue governar; se cede, Lira governa por ele. É uma espécie de parlamentarismo torto: Lira tem a autoridade, mas a responsabilidade sobre as consequências é de Lula. Para escapar dessa armadilha, Lula teria que ter amplo apoio no Congresso, mas, para isso, precisaria ter um plano de governo claro e compartilhar o poder com as forças democráticas que o subscrevessem. O que faz é o oposto disso.
Lula não tem plano de governo nem objetivo claro a ser alcançado. O que anuncia soa como reprise das políticas desenvolvimentistas e fiscalmente irresponsáveis que levaram o país à bancarrota, Dilma ao impeachment, a Petrobras ao petrolão e Lula à cadeia. E, se defende a gastança no governo, com que autoridade pode pedir ao Congresso que corte despesas?
Todos os ministros ou são do PT (e suas linhas auxiliares) ou são do Centrão. As exceções são Marina, sob ataque no próprio governo, e Simone, responsável por uma pasta pouco visível. Fernando Haddad, que busca manter os gastos sob controle, é perseguido por seu próprio partido e sabotado pelo chefe.
A política externa é de hostilização de democracias e aproximação com ditaduras. Lula investe no confronto, na radicalização e na polarização. E constrange até a própria esquerda: nomeia conservadores porque são seus amigos e esnoba minorias (até piada racista fez).
Quem se anima a apoiar Lula contra Lira nessas circunstâncias?
(Por Ricardo Rangel em 06/02/2024)