Desoneração no STF: um problema grande e outro maior
Lula, o Congresso e o STF estão mostrando que ninguém precisa de Bolsonaro para gerar desarmonia entre os Poderes
![Brazilian President Luiz Inacio Lula da Silva (R() shakes hands with the new Minister of the Federal Supreme Court, Cristiano Zanin, during the inauguration ceremony in Brasília, on August 3, 2023. Zanin, who had been President Lula da Silva's defense attorney in the 'Car Wash' operation, was appointed by to fill a vacancy on the Supreme Court in place of Ricardo Lewandowski, who left his post last April. (Photo by Sergio Lima / AFP)](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2023/08/000_33QM7MT.jpg?quality=90&strip=info&w=1280&h=720&crop=1)
Em 2011, o governo PT criou a desoneração da folha das empresas — a interessantíssima ideia de que dar moleza para alguns empresários acaba sendo bom para todos os cidadãos, inclusive (e especialmente) para quem não ganha a moleza.
Em 2023, o governo PT entendeu que a ideia serve para dar moleza para quem ganha a moleza e mais dureza para quem antes só tinha dureza. E resolveu acabar com o que é apenas mais um mecanismo de transferência de renda de pobre para rico.
Evidentemente, quem desfruta da moleza se mexeu e não só barrou a iniciativa no Congresso, como ainda a ampliou. Lula vetou. O Congresso derrubou o veto. Lula criou uma MP da “reoneração”. Viu que ia cair e recuou, mas…
Foi para o Supremo. Seu antigo advogado e velho amigo Cristiano Zanin atendeu ao pleito do ex-cliente e suspendeu trechos da desoneração.
Há dois problemas aí, um é grande, o outro é maior.
O grande é a desoneração em si, que representará um rombo de uns 15 bilhões. O Congresso tomou uma medida irresponsável (ainda que fique difícil o governo se comportar de maneira fiscalmente irresponsável e depois cobrar responsabilidade dos outros).
O problema enorme são dois. Um é Lula judicializar, ato hostil que desrespeita o Congresso e tenta ganhar a parada no grito. O outro é um ministro do STF (não eleito), suspender sozinho trechos de uma lei aprovada pela maioria absoluta dos parlamentares (eleitos): é uma interferência no Legislativo.
Tanto o STF como o Executivo estão com sérias dificuldades de relacionamento com o Congresso. Lula e Zanin acabam de contribuir deliberadamente para o conflito.
A decisão não vai sair de graça nem para o governo, que tem contra si várias pautas-bomba em tramitação, nem para o STF, contra o qual há várias medidas restritivas (mandato fixo, abolição das medidas monocráticas etc.) sendo discutidas.
A Constituição Federal, em seu artigo 2º, afirma que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Isso é tudo o que não se vê. O que se vê é um ambiente conflagrado, com medidas hostis sendo tomadas de parte a parte.
Até há pouco tempo, era o Executivo (com Jair Bolsonaro, em sua monomania golpista) que atacava incessantemente a independência e a harmonia entre os Poderes, e trazia grave risco contra a democracia.
Está claro que ninguém — nem Lula, nem Arthur Lira, nem Rodrigo Pacheco, nem os ministros do STF — precisam de Bolsonaro para criar conflito entre os Poderes.
E não há risco maior para a democracia do que esse conflito, que pode levar a um impasse.
(Por Ricardo Rangel em 26/04/2024)