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Uma prova da Universidade Federal de Pernambuco e a revolução cultural do ministro Haddad

Vocês sabem que não é apenas o PIB que passa por uma revolução sob o governo do Apedeuta. Também a educação. Uma nova aurora se anuncia. Ao lançar outro dia um pacote para o setoro, Lula disse que taí uma área com a qual não se pode brincar. Ou o resultado é analfabetismo na certa. […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 22h36 - Publicado em 21 mar 2007, 19h22
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  • Vocês sabem que não é apenas o PIB que passa por uma revolução sob o governo do Apedeuta. Também a educação. Uma nova aurora se anuncia. Ao lançar outro dia um pacote para o setoro, Lula disse que taí uma área com a qual não se pode brincar. Ou o resultado é analfabetismo na certa. Corajoso!

    A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) tem um programa chamado “Ingresso Extravestibular”. Liguei pra lá. Informam-me que é destinado — a moça não sabia direito, mas é mais ou menos isto — a quem já tenha um curso de graduação e queira fazer outro. Ou quase isso. Ficaram de me enviar um e-mail explicando, mas acho que esqueceram. O que importa é que o estudante ingressa na graduação fazendo uma outra prova, que não o vestibular tradicional. Segundo entendi, é um teste feito pela própria universidade.

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    Abaixo, reproduzo algumas questões da prova aplicada para o ingresso no curso de filosofia. Você pode ter acesso a todas elas clicando aqui. O conjunto da obra mereceria um tratado. Antes que o candidato comece a responder as 25 questões, há 11 instruções/informações. Entre elas, temos a de nº 4: “Todas as questões desta prova são de múltipla escolha, apresentando como resposta uma alternativa correta.” Fiquei mais tranqüilo. Começarei pela mais interessante: a de nº 23 (colo o texto como está no site da universidade, incluindo a falta de apreço dos valentes pelas maiúsculas). Reparem:

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    23. Relacione estas obras aos seus autores: A
    metamorfose / Auto da compadecida / O conceito de
    angústia / Grande Sertão Veredas / Verdade e Método:
    A) Freud / Gilberto Freire / Sartre / Graciliano Ramos
    / Heidegger.
    B) Kafka / Ariano Suassuna / Sartre / Graciliano
    Ramos, Descartes.
    C) Paulo Coelho / Fernanda Montenegro / Heidegger
    / Gilberto Freire / Descartes.
    D) Freud / Ariano Suassuna / Heidegger / Graciliano
    Ramos / Gadamer.
    E) Kafka / Ariano Suassuna / Kierkegaard /
    Graciliano Ramos / Gadamer.

    Huuummm. Vamos lá, leitor amigo. A Metamorfose é de Kafka. Oba! Vou acertar. Fiquei entre as alternativas B e E. Auto da Compadecida é do “pernambucano” nascido na Paraíba Ariano Suassuana. Xi, ainda a dúvida: B ou E?. O Conceito de Angústia? E agora? Heidegger ou Kierkegaard? (é deste útimo, amigo) “Ah, se tivesse o Google aqui…”, pensava o aluno triste. Mas ele não é bobo. Deixa isso de lado e vai para a obra seguinte: Grande Sertão Veredas. Pô, isso ele lembra. É do Guimarães Rosa, certo? Certíssimo. Mas cadê o Guimarães Rosa nas alternativas? Meu Deus! Segundo a Universidade Federal de Pernambuco, o autor da obra só pode ser GRACILIANO RAMOS!!! Perguntei para a moça que me atendeu, na Assessoria de Comunicação da UFPE, se havia alguma errata sobre a prova. Ela não tinha informação. Como Graciliano entrou no rolo? Ele não escreveu O Conceito de Angústia, mas Angústia. Uma confusão na hora de o examinador fazer pesquisa do Google. Vocês sabem: O Google é analfabeto. Quem não pode ser é o pesquisador.

    Estupefatos? Vocês se chocam com pouco. Ainda não viram nada. Antes da questão 23, há a 22!!!

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    22. Aponte os exemplos de homens éticos com visão
    filosófica engajada (para além da hipocrisia):
    A) Bush, Olavo de Carvalho, Editora Abril, Inocêncio
    de Oliveira e Roberto Marinho.
    B) Dalai Lama, Gandhi, Marina da Silva, Frei Beto e
    Dom Helder.
    C) FHC, Marco Maciel, ACM, Ratinho e Reginaldo
    Rossi.
    D) Leonardo Boff, Irmã Dulce, Ariano Suassuna,
    Betinho e Zilda Arns.
    E) Dalai Lama, Gandhi, ACM, Frei Beto e Leonardo
    Boff,

    Viram no que gastam o seu dinheiro, leitor amigo? Não sei se entendem. Na questão acima, é preciso falar de ética “além da hipocrisia”, e isso significa que estão fora, claro, Bush, Olavo de Carvalho, Editora Abriil, Inocêncio de Oliveira, Roberto Marinho, FHC, Marco Maciel, ACM, Ratinho e Reginaldo Rossi. Repararam? Todas essas pessoas (e até a Abril, que pessoa não é) devem ser colocadas num mesmo saco de gatos se você quer cursar filosofia na Universidade Federal de Pernambuco. Só resta mesmo, no teste ideológico, as alternativas B e D. Acredito que a resposta certa seja a B. São exemplos de homens éticos “Dalai Lama, Gandhi, Marina da Silva, Frei Beto e Dom Helder.” Por que não a D? Talvez porque Ariano seja escritor e dramaturgo, e artista não costuma ser muito ético no Brasil… Ou será porque irmã Dulce era amiga de ACM? Estou tão confuso!

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    Mas a escolinha do professor Fernando Haddad ( ministro que está liderando a revolução cultural) não pára por aí. Ah, não. No besteirol abaixo, peço que atentem, de saída, para o rigor com que se emprega a língua portuguesa, inculta, sim, mas jamais bela:

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    24. Peter Singer diante do Cristianismo, da Ecologia
    profunda e da Ética ambiental:
    A) esqueceu completamente a natureza, e
    atualmente continua a mesma situação. Ela não é
    profunda nem sincera, pois apela para o
    totalitarismo. A ética ambiental é urgente.
    B) estimulou o afastamento do homem com a
    natureza mas pode ajudar na atualidade. Ela é
    profunda e romântica, mas pode cair na visão
    genérica do Todo antes do singular. A ética
    ambiental é urgente.
    C) evitou a violência e pode ajudar na ecologia. Ela
    é romântica mas não é profunda, tem problemas
    políticos. A ética ambiental deve ser utilitarista e
    imediata.
    D) teve apenas uma teologia da salvação e não da
    criação. Ela é traduzida como amor biocêntrico à
    natureza. A ética ambiental deve ser
    antropocêntrica.
    E) estimulou o conflito do homem com a natureza
    mas pode empactar na atualidade. Ela é profunda
    e pictórica, mas pode resurgir na visão genérica
    do Todo antes do plural. A ética ambiental é
    passageira.

    O que mais me encanta? Os verbos “empactar” — tudo aquilo que, suponho, provoca EMPACTO, e “resurgir”, que, sugiro, passe a ser grafado na UFPE com “ç”: “reçurgir”, para evitar que o desavisado atribua àquele “s” único intervocálico o som de “z”. No que concerne à sintaxe, à organização da frase propriamente, e à clareza, vejam a alternativa A: “Esqueceu completamente a natureza, e atualmente continua a mesma situação. Ela não é profunda nem sincera, pois apela para o totalitarismo. A ética ambiental é urgente.” Ai, Jesus! Quem ou quê “continua atualmente a mesma coisa”? “Ela” quem??? Não é profunda nem sincera? O QUE ISSO TUDO QUER DIZER???

    Não é uma piada. O que vai acima está no site da Universidade Federal de Pernambuco. Uma revolução cultural está em curso no país. Já dei uma palestra na UFPE uma vez. Ali encontrei alguns dos estudantes mais preparados do Brasil. E eles não se envergonham menos com isso tudo do que me envergonho eu, brasileiro que sou, como os pernambucanos. A questão é nacional, não regional. Nisto torram o seu dinheiro: ignorância, proselitismo ideológico, vulgaridade.

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    Quando fui fazer a tal palestra, um grupo de estudantes do PT e do PC do B fez panfletagem no campus conclamando os alunos a não comparecer ao evento. Eu era caracterizado no panfleto como um reacionário, perigoso direitista e, mais engraçado, “contra o ensino universitário público, gratuito e de qualidade”. Até brinquei com os presentes: “Sacanagem comigo! Sou contra o ensino universitário gratuito, sim. Público, embora não precise, ele até pode ser. Mas juro que nada tenho contra a qualidade”.

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