Reinaldo vai morrer. Flavinho VE vai morrer. Os dicionários sobreviverão a nós com expressões como “jornalista petralha, jornaleco petralha”
Viram a imagem acima? Volto a ela depois. Antes, um pequeno passeio. A palavra “petralhas”, como sabem, já foi dicionarizada. Esta no “Grande Dicionário Sacconi da Língua Portuguesa”. Eu e o Flavinho VE, do Valor Econômico, vamos morrer, mas o dicionário vai ficar. Vejam a acepção nº 1: “Que, ou pessoa que, sem nenhum escrúpulo, […]
Viram a imagem acima? Volto a ela depois. Antes, um pequeno passeio.
A palavra “petralhas”, como sabem, já foi dicionarizada. Esta no “Grande Dicionário Sacconi da Língua Portuguesa”. Eu e o Flavinho VE, do Valor Econômico, vamos morrer, mas o dicionário vai ficar. Vejam a acepção nº 1: “Que, ou pessoa que, sem nenhum escrúpulo, não vacila em cometer todo e qualquer ato marginal à lei, como usurpar, mentir, extorquir, ameaçar, chantagear, roubar, corromper, ou que defende com ardor ladrões. Corruptos, usurpadores, mentirosos, cínicos, extorsionários, chantagistas etc. que, porém, posam de gente honesta e defensores intransigentes da ética”. Aí o dicionário dá exemplos do emprego da palavra: “jornalista petralha; jornaleco petralha; há petralhas nesse governo?”
Agora vejam isto.
Em 2011, a Editora Panini publicou essa revista do Batman. O bandidão dessa história, de Grant Morrison (roteiro) e Cameron Stewart (desenhos), é o “Rei Perolado”. Pois bem, num dado momento, uma das personagens se refere ao facinoroso como “petralha”. No original, em inglês, emprega-se “nasty”. Quando uma pessoa é “nasty”, ela pode ser “nojenta, horrível, asquerosa, odiosa, sórdida, malcriada, repelente, vil, desagradável, indecente, torpe” e coisas desse paradigma… Em suma, é uma “petralha”. Uma tradução busca na outra língua não o sinônimo frio, mas o termo que tem, além do significado semelhante, a mesma carga cultural. Não conheço a história, mas suponho que o “Rei Perolado” também deva ser trapaceiro, vigarista, essas coisas. Ou seja: UM PETRALHA!!!
Os petralhas reclamaram: “Como ousam usar uma palavra criada pelo Reinaldo Azevedo?”. Há blogs protestando contra o que seria a “ideologização” da tradução! Besteira! O vocábulo havia fugido ao meu controle e virou sinônimo de gente que não presta. Não é a primeira vez que isso acontece na língua. Outro dia, na fila do supermercado, um rapaz, segurando dois desses pacotes de cerveja presas com plástico (e outro, mais dois), mandou ver: “Pô, véio, o cara é mó 171, mó petralha”. Não cheguei a ter o prazer de ver um poema meu declamado nas ruas, mas me avizinhei desse sentimento.
Tanto encheram o saco da editora que ela divulgou uma nota:
“A Panini considera o termo ‘petralha’ uma gíria que vem se popularizando no Brasil e, independente da origem do termo, não é mais utilizado no linguajar popular apenas com conotação política, mas como sinônimo para ‘asqueroso’, ‘nojento’ etc. A empresa ressalta que não tem qualquer intenção de utilizar seus produtos editoriais de entretenimento para fins políticos.”
Boa. Agora a revistinha lá do alto.
A partir do dia 25 de fevereiro chega às bancas “O País dos Metralhas”, que reúne 10 histórias inéditas envolvendo os ladrões. Todos sabem que a palavra “petralha” foi inspirada na turma, né? Eu fiz eco aos bandidos do gibi, e o gibi faz eco aos livros “O País dos Petralhas” (I e II).
Não! Não foi conspiração. Eu nem sabia. Quem me avisa é um leitor, que enviou a imagem da capa. Eu curtia, quando moleque, a história dos larápios ingênuos que sempre se davam mal no fim. Os petralhas acham que já triunfaram. Tanto é assim que agora resolveram dar início à caça às bruxas.
Eu vou morrer. O Flavinho VE vai morrer. Os dicionários e as palavras sobreviverão a nós. Morrerei brigando por um mundo em que tanto ele como eu tenhamos o direito de falar. Ele morrerá brigando por um mundo em que ele e os seus falem sozinhos porque estão certos de representar a evolução do pensamento, o bem da humanidade e uma “teologia à moda moderna”.
Leia o texto “Ah, entendi: o Moura é editor da Companhia das Letras, não do Valor; o que muda e o que não muda”