O texto sobre o fim da reeleição que passou na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e que será debatido agora na Comissão Especial pode ter a melhor das intenções. Mas também leva todo o jeito de ser um cavalo de tróia. E, de dentro dele, pode sair a chance para o terceiro mandato de Lula. Alguns dos deputados envolvidos no debate não negam a intenção de abrir esta janela. E, de fato, se os governistas quiserem, não há como fechá-la. Os tucanos já são experientes o bastante em Lula e seus rapazes para saber que o que essa turma diz não se escreve.
Não é segredo para ninguém que os tucanos, especialmente José Serra e Aécio Neves, têm interesses na aprovação da emenda. O governador de São Paulo é explícito na defesa da proposta; o de Minas ensaia uma reação, mas nada muito convicto. O primeiro, líder em todas as pesquisas de opinião e tido como o mais provável candidato do PSDB, sabe que um mandato único de cinco anos facilita as negociações dentro do partido — dando tudo certo no tucanato, na seqüência, viria Aécio: nem uma espera tão curta, de quatro anos, nem uma tão longa, de eventualmente oito. Como o texto é considerado de alto interesse de Serra, Aécio marca uma posição pública mais ou menos hostil à proposta; afinal, assumi-la corresponderia a admitir que, na fila partidária, o adversário interno estaria na frente.
Pois bem… Acontece que, nesse caso, é preciso literalmente negociar com os russos. “Ah, Lula já disse dezenas de vezes que não quer o terceiro mandato”. Vejamos de outro modo: ele pode, hoje em dia, não mover os tanques em favor dessa possibilidade, o que despertaria forte reação. Mas nada impede que a maioria governista no Congresso lhe faculte essa chance. Nesse caso, meus caros, não haverá suposta “vontade pessoal” que o impeça de disputar — especialmente se o PT continuar sem um candidato viável e se o próprio presidente aparecer, como aparece, como favorito à sua sucessão.
Serra, é bem verdade, sempre foi contrário à reeleição — inclusive quando servia como ministro de FHC. Sua opinião a respeito não é uma novidade, ditada apenas por seus interesses políticos pessoais. Mas, reitero, a hora não é das melhores. Não há instrumento legislativo qualquer que impeça os governistas de apresentar, a qualquer tempo, a possibilidade do terceiro mandato. Um processo que fosse coonestado pela oposição seria sopa no mel.
Mudancismo
Acho, reitero, que o mandato único de cinco anos é o melhor para o país. Haverá a hora certa para isso. Mas também acredito nos benefícios da estabilidade das regras. É preciso parar com esse mudancismo meio destrambelhado — tão latino-americano!!!
Neste momento, estão em debate mudanças sobre regras de sucessão presidencial na Colômbia, na Venezuela, na Bolívia, no Equador e no Brasil. A gente sabe muito bem o que pretende a trinca de bandoleiros liderada por Chávez — que quer fazer votar uma proposta que lhe dá licença para ser ditador! Na Colômbia, Álvaro Uribe também se mobiliza em favor de mais um mandato. Ele salvou a Colômbia do caos, da anarquia. Mas tem é de fazer um sucessor, não de burlar a Constituição.
No Brasil, pode-se dizer que o movimento vai no sentido oposto: limitar o mandato, não espichá-lo. Sim, sei disso. Essa é a versão benigna da coisa, não?, assim como quem cruzasse um jumento com uma vaca leiteira na esperança de que o híbrido conservasse as virtudes dos dois animais. Ocorre que há a possibilidade de o híbrido ser um jumento irascível, de chifres, que não dá uma gota de leite e ainda se nega a puxar a carroça.