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Estado de Direito, vigência das leis e tortura

A decisão da Justiça que permite que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra seja processado sob a acusação de tortura, quase 30 anos depois da Lei da Anistia, que é de 1979, é um equívoco político. De grave irrealismo político. O processo, ademais, tem um caráter, vamos dizer, puramente simbólico. Não há como ele ser […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 23h01 - Publicado em 9 nov 2006, 17h13
A decisão da Justiça que permite que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra seja processado sob a acusação de tortura, quase 30 anos depois da Lei da Anistia, que é de 1979, é um equívoco político. De grave irrealismo político. O processo, ademais, tem um caráter, vamos dizer, puramente simbólico. Não há como ele ser punido. O coronel nega a acusação. As pessoas que se dizem suas vítimas não têm dúvida de que ele é o responsável pelas agruras que passaram. Ainda que seja mesmo: creio que a devida expiação já está feita. A partir de agora, só há riscos.

A tortura é, em princípio, inaceitável. A sua gratuidade, no Brasil, só agrava a sua essência maligna. Trata-se de um crime abominável. Ainda que, sob certas circunstâncias — e elas NÃO estavam dadas durante o regime militar, destaque-se —, possa, sim, fazer parte de uma lista de procedimentos. Se um terrorista é preso e se as autoridades têm como certo que uma informação sua pode salvar algumas centenas de vidas, o que a nossa moral nos recomenda diante de tal dilema? Nessa hora, é preciso pôr quem você mais ama no avião ou no ônibus escolar. Estamos tratando de situações-limite. Sei: melhor não pensar nisso. Ou fazer como fizeram os EUA e Israel, que convivem com o problema: regulamentar. Pior, muito pior, acontece nas ditaduras árabes ou nas cadeias brasileiras onde estão os presos comuns: a tortura é prática corriqueira, embora ilegal.

Só avanço em tal terreno espinhoso para demonstrar que não estamos lidando com idéias puras. Há uma horrível dimensão concreta em tudo isso. Aqueles que recorreram à tortura no Brasil o fizeram ao arrepio de qualquer lei e sem que estivessem cuidando da “segurança do Estado”. O regime tinha forças regulares para enfrentar o raquítico movimento subversivo e/ou guerrilheiro.

Acontece que a Lei de Anistia integra o conjunto de normas do Estado de Direito no Brasil. E ela foi fundamental na pacificação do país. Certa esquerda gosta de pensar que se travava da luta de santos contra demônios. Não é verdade. Alguns esquerdistas egressos daqueles tempos demonstram que, até hoje, ainda não aceitaram a democracia como valor inegociável. Podem não empunhar mais armas, mas nem por isso respeitam as regras da convivência democrática. Se o PC do B tivesse vencido a batalha, os mortos não seriam pouco mais de quatro centenas, mas muitos milhões — a exemplo do que os comunistas fizeram mundo afora. Verdade ou mentira? A tortura é imoral. Mas a luta comunista também tinha uma moralidade a ser considerada.

Preocupante é quando esse processo se dá sob os auspícios de um Secretário Nacional de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, que especulou sobre uma revisão da Lei de Anistia desde que haja uma cobrança da sociedade, como ele disse.

Se Ustra foi o torturador das pessoas que o acusam, elas têm todo o direito de jamais esquecê-lo. Mais: têm o dever. Jamais simpatize com seu algoz. Nunca! Mas não dá para deixar de pensar no caso em questão sem transformá-lo numa questão geral: o conjunto dos brasileiros sairá ganhando abrindo essa caixa de horrores, generalizando o procedimento? Uma Lei de Anistia, parece, vale para todo mundo. Até para Ustra. Ou teremos de refazer a nossa história.

Nos comentários, peço a vocês serenidade. Estamos lidando com uma coisa abominável — a tortura — e com a melhor garantia da civilização: o Estado de Direito numa democracia. Caprichem.
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