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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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E a revista “Caros Amigos”, “a primeira à esquerda”, vai parar no Ministério do Trabalho por desrespeito a direitos trabalhistas e demissão de grevistas! Que coisa feia!

Vocês conhecem ou ao menos já ouviram falar da revista “Caros Amigos”, publicada pela editora Casa Amarela? Ela tem até um subtítulo, que exibe quase como uma divisa — e isso tem a sua graça: “A primeira à esquerda”. Parece-me, não sei se é, uma alusão ao fato de que, hoje em dia, existe uma […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 06h36 - Publicado em 27 mar 2013, 03h54

Vocês conhecem ou ao menos já ouviram falar da revista “Caros Amigos”, publicada pela editora Casa Amarela? Ela tem até um subtítulo, que exibe quase como uma divisa — e isso tem a sua graça: “A primeira à esquerda”. Parece-me, não sei se é, uma alusão ao fato de que, hoje em dia, existe uma supersafra de publicações e blogs que reivindicam esse estatuto, todos regiamente financiados por estatais. “Caros Amigos”, criada em 1997, com efeito, já era de esquerda no tempo em que Paulo Henrique Amorim, em 1998, acusava Lula de ter comprado sua cobertura em razão de falcatruas praticadas por Roberto Teixeira, compadre do Apedeuta. Amorim virou ultralulista, ultrapetista e ultraesquerdista a partir de 2003, recobrando, digamos assim, ímpetos juvenis. Quando funcionário graduado da Manchete e da Globo, ele não pedia controle da mídia. Era, como sabem seus contemporâneos, muito… “patronal”!!! Nos últimos 10 anos, descobriu que seu bolso é vermelho como o seu coração.

“Caros Amigos”, em suma, passou a sofrer uma espécie de concorrência desleal de neoconvertidos — ou “neocons” da… esquerda. Como alguns deles haviam passado por grandes veículos, de onde foram expulsos por seus méritos, os petistas preferiram “fazer política e negócios” com essa turma, que topa tudo, não com quem queria doutrinar, que é o caso da “Caros Amigos”. O jornalista José Arbex, um dos espíritos que animam a publicação, deveria ter se lembrado da ironia que Marx faz com os alemães, no livro “A Ideologia Alemã”, quando os comparados com os franceses no caso da disputa pela Alsácia-Lorena. Enquanto os primeiros queriam convencer os outros de sua filosofia, os franceses trataram de ocupar o território. Adivinhem com quem ficou a região…  “Caros Amigos” ousa ainda, à sua moda, estar à esquerda do petismo e não ser escancaradamente governamental. O PT só entende a língua dos áulicos.

Muito bem! Enviam-me um link do site “Comunique-se” em que leio o seguinte (em vermelho):
Após demitir 11 funcionários que estavam em greve alegando “quebra de confiança”, a editora Casa Amarela, responsável pela revista “Caros Amigos”, foi convocada pelo Ministério do Trabalho para prestar esclarecimentos. O pedido aconteceu depois que o diretor geral do veículo, Wagner Nabuco, recusou o pedido de conversa do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo.
De acordo com as informações, a mesa-redonda está marcada para o próximo dia 28 e, na ocasião, a “Caros Amigos” deverá explicar as irregularidades na empresa. A crise que envolve o impresso foi assunto na imprensa nas últimas semanas, quando a equipe paralisou os trabalhos e divulgou carta explicando os motivos da greve. “A redação da revista Caros Amigos está em GREVE: Por não suportar mais a histórica precarização do trabalho, baixos salários, e recente ameaça de cortes, a decisão foi inevitável”.
À época, o estopim teria sido a informação divulgada por Nabuco afirmando que, a partir de abril, a revista passaria por corte de 50% dos gastos, passando de R$ 32 mil para R$ 16 mil e, consequentemente, ocasionando a demissão de quase metade dos funcionários da redação, caindo de 11 para 6 contratados. “Com evidente aumento de trabalho sem compensação salarial”, reclamaram os jornalistas grevistas.
Dias depois, Nabuco falou sobre a demissão de todos os envolvidos no protesto. Agora, junto dos 11 jornalistas dispensados, a direção do sindicato dos jornalistas pretende “debater as ações sindicais e judiciais que possam buscar o não reconhecimento das demissões, a reintegração dos jornalistas à redação e impor à editora o respeito aos direitos trabalhistas da categoria”. O Comunique-se tentou contato com a revista, mas não teve retorno.

Voltei
Eu poderia parar por aqui, sacar um clichê — “em casa de ferreiro, espeto de pau” — e dar o assunto por liquidado. Mas não consigo. Não é a primeira crise da publicação. Tenho a confiança de que o dinheiro acabará aparecendo. Outras publicações de esquerda já andam culpando o governo Dilma, que não estaria dando a devida atenção à “Caros Amigos”… Entendo. “Precarização” das condições de trabalho, salários aviltantes e agressão a direitos trabalhistas? Tudo isso numa revista de esquerda, “a primeira à esquerda”? Pois é… Pior: não tem essa de negociação com sindicato. Greve? Então é rua! É o fim da picada que “camaradas-trabalhadores” não entendam os problemas do “camarada-patrão”! Agora pausa para um historinha interessante.

Há quase sete anos — a serem completados em junho —, a revista e o site Primeira Leitura, de que eu era diretor de redação, fecharam as portas. Muita gente lamentou então. O que apareceu de “liberal” para me dar tapinha das costas, desejando “força!”, foi uma enormidade! Um ministro de Estado, figurão do governo Lula — de quem sou ainda hoje um crítico muito duro (ele não está mais no ministério) — telefonou lamentado: “Discordo de tudo o que tu publicas, mas tua revista tinha qualidade”. Tá. Outro lamento, ainda que se deva colocar uma dezena de asteriscos na palavra, partiu justamente de José Arbex, da “Caros Amigos”.

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Escreveu, então, que Primeira Leitura “pretendia-se (…) porta-voz do liberalismo ilustrado”, acrescentando: “Dada a mendicância intelectual da assim chamada elite brasileira, é apenas lamentável que uma tentativa como essa tenha fracassado”. Quando “Primeira Leitura” fechou, eu e Rui da Silva Nogueira, que dirigia comigo o empreendimento, publicamos uma “Carta aos Leitores” anunciando o fim da publicação e os motivos. Embora a revista vendesse quase 50 mil exemplares, embora o site tivesse, à época, quase 5 milhões de visitantes únicos, as dificuldades com a área de publicidade eram imensas. Não tínhamos, claro!, anúncios estatais, e os anunciantes privados fugiam. Não porque a revista fosse ruim, mas porque era apontada como “de oposição. Sim, houve pressão oficial para que agências que tinham contas de empresas e órgãos públicos nos tirassem da lista. E elas tiraram.

Mesmo assim, não culpamos ninguém. Assumimos a responsabilidade. A revista que queríamos fazer, por nossa conta, era aquela, não outra. Se ela não conseguia se financiar, ainda que houvesse pressões ilegítimas, que morresse, então, o que viver não soubera. Só que há uma coisinha importante.

Quando fecharam, site e revista contavam com 25 pessoas. Todas elas receberam seus direitos — salário, férias, 13º proporcional. Mais: fez-se o aviso com antecedência. Alguns puderam ou quiseram ficar uns dias a mais, ajudando a fechar; outros não! Graças a Deus e ao talento daquela gente encantadora — meu abraço saudoso e carinhoso à equipe —, todos se arranjaram logo no mercado. Cumpríamos as nossas obrigações. E agora o que não era obrigação, mas questão de honra: pagávamos salários dignos. Os que colaboravam com a revista sabem ainda hoje que os nossos “frilas” estavam entre os mais bem remunerados do mercado.

Salário alto ou baixo, é evidente, não é medida de qualidade de texto. Mas mede, sim, o respeito que se tem pelo esforço do outro, ora bolas! “Liberalismo ilustrado” é uma ironia de Arbex, que não confia muito na inteligência dos conservadores. Ok. É um direito dele. Convicções inequivocamente liberais, a revista as tinha, sim. Por isso mesmo, respeitar os direitos do indivíduo era uma questão de honra. Não pedíamos aos jornalistas que trabalhavam conosco que fossem militantes. Nota: também devolvemos o dinheiro aos assinantes. Isso se chama respeito ao contrato. Comentei a carta de Arbex num post publicado aqui no dia 18 de julho de 2007.

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No caso da “Caros Amigos”, tanto o patrão como os demitidos emitiam suas respectivas notas de esclarecimento. Ambos falam em “publicação contra-hegemônica”. Duas coisas perturbam o meu entendimento. 1) Para ser “contra-hegemônico”, é preciso aviltar até mesmo direitos garantidos pelo poder hegemônico? No tempo em que eu era socialista, os pterodáctilos ainda voavam, e a gente queria libertar as massas de seus grilhões… 2) Defender teses de esquerda hoje em dia é estar “contra a hegemonia”?

Convenham: a ser verdade que fosse expressão do “liberalismo ilustrado”, contra-hegemônica mesmo era… Primeira Leitura, né?

Espero que os trabalhadores de “Caros Amigos” recebam ao menos o que lhes pagaria a maioria dos patrões burgueses, que não sonham “com outro mundo possível” porque estão atarefados demais tentando fechar a folha de pagamento do mundo possível.

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