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Ditadura, álcool e planejamento

Republico acima o mapa que está no PAC com dados sobre o etanol É provável que o regime militar tenha gastado dinheiro demais, metido os pés pelas mãos, mas o fato é que não li uma linha na imprensa sobre a origem do programa do álcool, que é a ditadura: 1975, à esteira da crise […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 22h37 - Publicado em 11 mar 2007, 06h20
Republico acima o mapa que está no PAC com dados sobre o etanol
É provável que o regime militar tenha gastado dinheiro demais, metido os pés pelas mãos, mas o fato é que não li uma linha na imprensa sobre a origem do programa do álcool, que é a ditadura: 1975, à esteira da crise do petróleo. Foi a última vez em que se pensou de forma estratégica nestepaiz. Não dá para contar a história que não houve. É até possível que, vivêssemos ainda um regime de exceção, o Brasil estivesse mergulhado em barafunda pior (a ditadura de Figueiredo já foi bem esculhambada), mas é inegável que entramos mal, no que diz respeito a planejamento, no regime democrático. Dona Zelite se dispersou. Quando resolveu se reunir novamente, ela, como direi?, se financeirizou.

No capítulo das idéias fora de lugar, à esquerda, fez-se uma Constituição que previa direitos sem revelar as fontes de financiamento; à direita, qualquer aparência de planejamento passou logo a ser confundida com estatismo. Uma confusão que liberais americanos e europeus não fazem. É, os “modernos” da periferia têm o seu custo… Mas isso fica para outra hora.

O fato é que o programa do álcool custou bem uns US$ 30 bilhões em subsídios, incentivos, o diabo, mas está aí. Hoje, anda pelas próprias pernas, sem dinheiro público, a não ser uns caraminguás que são investidos em pesquisa. O petróleo barato de meados da década de 80 até o começo deste século tirou o governo da parada. Vá lá. Fazia sentido. O setor alcooleiro demonstrou que já podia andar sozinho. Há hoje uma importante indústria (incluindo a de máquinas) do etanol no país. Mas não o suficiente para atender a um novo chamamento, este, agora, de ordem global — não apenas para responder a um desafio interno.

Parece que está claro que fomos pegos no contrapé. E será preciso muita competência para não perder a vantagem conseguida até aqui. Por isso mesmo, há razão para temores. É a questão ecológica — mais do que o desejo dos EUA de diminuir a dependência do complicado petróleo do Oriente Médio — que faz do etanol uma aposta confiável. Que o Brasil acordou tarde, e ainda porque foi cutucado por Bush, é evidente. Já mostrei aqui que o PAC, por exemplo, tem metas muito pouco ambiciosas para o etanol. Em seu primeiro mandato, Lula estava interessado em biodiesel, tentando emprestar a isso certo caráter inaugural — o que também não é.

Variáveis
Há muita coisa a ser pensada. O Brasil tem terra disponível se quiser expandir a plantação de cana. Mas isso é só o corriqueiro. O fundamental é investir em pesquisa para aumentar a produtividade e para fazer com que esse novo ciclo da cana, que já está aí, sirva como fio condutor de uma reorganização da economia — inclusive da economia do trabalho. Para não gerar novos problemas sociais, em vez de contribuir para responder aos que já temos.

São Paulo responde por praticamente dois terços do álcool e do açúcar produzidos no Brasil. A cana ocupa mais da metade da lavoura do Estado — dados lembrados pelo governador José Serra em recente artigo na Folha. A esmagadora maioria das novas 77 usinas previstas no PAC devem ser construídas em São Paulo. Vejam o mapa acima, que já publiquei aqui. Embora os ganhos do cortador de cana e a formalização do trabalho no setor estejam acima da média do trabalhador sem qualificação, o fato que a cana atrai mão-de-obra não especializada — e, com ela, demanda por saúde, escola, moradia, segurança, infra-estrutura urbana…

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O setor, por enquanto, é um empregador intensivo de mão-de-obra por conta de um problema: o corte manual da planta, precedido das queimadas. O procedimento, como eu disse aqui há dias, torna o ar das cidades canavieiras, durante a safra, irrespirável, além, claro, de pouco saudável. Como lembra Vinicius Torres Freire em sua coluna de hoje na Folha (clique aqui), as queimadas estarão proibidas em 2021. “Ah, mas ainda faltam 14 anos”. Para um país que se planeja, é amanhã. Mais: para o álcool de celulose, a folha da cana, hoje queimada, passa a ser matéria-prima. E isso pode acelerar a mecanização do corte.

Venho de uma região canavieira. Um salário médio de R$ 500, com carteira assinada, para o cortador está longe de ser uma maravilha, mas evita a miséria. Ele atrai mão-de-obra de outros Estados e cidades, trazendo junto as tais demandas por serviços públicos. O transporte da cana destrói, por causa dos caminhões pesados — “treminhões”: três carroçarias carregadas, o que é um perigo danado — as estradas vicinais. As usinas não costumam dar a menor bola. O Estado ou o município que cuide de recuperar o que elas estragam.

Vejam só: tínhamos de estar pensando, como país, em juntar governadores e os ministérios da Fazenda, do Trabalho, das Cidades e da Ciência e Tecnologia numa verdadeira força-tarefa. Com planejamento e método, não duvido de que se abre uma possibilidade extraordinária para o país. Mas também pode ser só o começo de uma grande desordem. As circunstâncias, mais uma vez, conspiram a favor do Brasil. Mas sempre houve um Brasil para conspirar contra si mesmo.

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