Além, obviamente, do ambíguo papel que José Dirceu desempenha no Peru, onde fala como uma espécie de ministro oficioso do segundo governo Lula, embora já estivesse fora do poder e cuidasse, segundo seu próprio testemunho, de negócios privados, três coisas chamaram a minha atenção no vídeo publicado por VEJA.com.
1: É tudo normal!
Ele foi postado na Internet pela consultora Zaida Sisson não para que outros vissem e pudessem se escandalizar. Nada disso! Era como evidência de operosidade da turma, o que deixa claro que os companheiros já não distinguiam a fronteira entre o aceitável e inaceitável.
2: O regional-subdesenvolvimento
No segundo mandato de Lula, o PT vivia o auge do autoengano. Se prestarem atenção, Dirceu fala do grande crescimento do Peru — cuja economia continua em expansão — e do Brasil, que está hoje em recessão. O petista aborda, então, a dificuldade por que passa o México, que, de fato, em 2009, ano daquele encontro, sofreu uma brutal recessão: a economia encolheu 6,5%.
Segundo Dirceu, isso se devia ao fato de aquele país ter sua economia ancorada nos EUA. As virtudes do Brasil estariam na escolha do tal novo eixo… Pois é. Em 2010, o México voltou a crescer. Entre 2011 e 2014, sua economia se expandiu, respectivamente: 4%; 3,9%; 1,4% e 2,1%. Deve crescer algo em torno de 3,5% em 2015. No mesmo período, estas são as taxas brasileiras: 3,9%; 1,8%; 2,7% e 0,1%. Neste ano, a recessão brasileira está estimada em 2%. Possível média mexicana em cinco anos: 2,98%. Possível média brasileira no mesmo período: 1,3%. Viram como o nosso modelo é mesmo superior???
Observem que Dirceu está no Peru falando sobre os interesses estratégicos do Brasil, emprestando a nosso país, assim, um arzinho de superpotência. Pois é… Três anos depois daquele encontro, o Peru se juntou ao Chile, Colômbia e ao próprio México para criar a Aliança do Pacífico — a Costa Rica entrou depois. Objetivo: principalmente negociar com os EUA, que, segundo Dirceu, fazia mal aos mexicanos… Certo estaria o modelo brasileiro.
Pior de tudo: quando Dirceu canta as glórias da nossa superioridade, nem acho que ele esteja tentando enganar os peruanos, não! O pior é que ele realmente acredita naquilo — como Guido Mantega acreditava. Isso significa que, para ser um desastre para o Brasil, o PT nem precisa roubar. Mesmo com honestidade de propósitos, é uma catástrofe. Não sabe ler o que se passa no país e no mundo.
3: O MST e movimentos sociais
O terceiro elemento a ser destacado são os ditos movimentos sociais, que Dirceu trata, sim, como meras extensões do PT, embora faça uma crítica relativamente dura ao MST: em vez de cuidar das propriedades conquistadas, buscando ter força econômica, o movimento passou por um desvio político e buscou a tomada do poder. Curioso: entrevistei Dirceu em 2001, e ele fez precisamente essa crítica ao MST — e, nesse particular, claro!, ele está certo. A questão é saber se o movimento sobreviveria sem a sua mística revolucionária, mamando nas tetas do governo. Eu acho que não.
As conversas de Dirceu no Peru merecem um pouco mais do que a crônica policial. Elas também revelam, para além de lobbies e ilegalidades, os delírios de poder de forças políticas da América Latina, incluindo o PT. É tudo isso que está desmoronando.