O Congresso brasileiro ainda está vivo também para as virtudes. Essa é uma boa notícia. Avançou a resistência ao decreto bolivariano da presidente Dilma Rousseff, o 8.243, que institui a chamada Política Nacional de Participação Social (PNPS) e busca regular a atuação de conselhos populares na administração federal. Nesta terça, a Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para o Decreto Legislativo (DL) que busca tornar sem efeito a medida presidencial. A partir de agora, havendo quórum, o DL pode ser votado, mas é possível que isso só aconteça depois do recesso branco de julho. Mais de dez partidos — e isso significa que muitos deles são da base aliada, como o PMDB — pressionaram para que se aprovasse o regime de urgência nesta terça. Só o PT e as legendas de esquerda defendem hoje aquela estrovenga.
Vamos ver. Entre muitas, há três maneiras principais de entender o Decreto 8.243:
a) a apocalíptico-barulhenta;
b) a da Poliana distraída;
c) a realista.
A apocalíptico-barulhenta pretende que, uma vez em vigência, o decreto institui definitivamente o comunismo no Brasil, e nada mais se poderá fazer. Seria o golpe final das esquerdas na democracia representativa. Por intermédio dele, os esquerdistas tomariam conta da administração e ponto final. O passo seguinte seria, sei lá eu, o Armagedom ou a luta armada. É uma tolice. Aliás, os esquerdistas que defendem aquela porcaria vibram quando encontram um caricato desses pela frente porque não é difícil ridicularizar esse delírio.
Há a leitura das Polianas distraídas. Essas insistem em afirmar que o decreto de Dilma, o que é verdade, não cria nenhum conselho novo. E daí? Só faltava, agora, o Executivo criar também os conselhos por iniciativa unipessoal da chefe do Executivo. Aí estaríamos numa monarquia absolutista. Esses distraídos também dizem que a participação popular está prevista na Constituição e que não há nada de errado nisso.
E há a versão realista. O PT não vai instituir, obviamente, o comunismo no Brasil porque, pra começo de conversa, nem comunista é. Mas tem uma visão autoritária do poder e busca, desde que foi criado, tomar conta do estado brasileiro, um processo que, obviamente, está em curso. E, isso sim, não é difícil de demonstrar.
O que o decreto de Dilma faz de estupidificante, em primeiro lugar, é definir o que é sociedade civil. Está lá no Inciso I do Artigo 2º: “I – sociedade civil – o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações”. É evidente que o “indivíduo” não existiria nesse contexto. Como se daria a sua participação? Ele teria de, necessariamente, integrar um dos “coletivos” e “movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados”, ou suas “redes e organizações”, se quisesse ser ouvido. Vale dizer: a chamada participação popular seria monopólio de militantes políticos. Um Congresso escolhido por 140 milhões de eleitores correria o risco de ser menos influente na definição de políticas públicas do que alguns poucos milhares de militantes.
E quem é que vai comandar essa coisa? A Secretaria-Geral da Presidência — hoje, seria Gilberto Carvalho, aquele mesmo que tem conversado com índios, com os resultados conhecidos; com o MST, com os resultados conhecidos, e com os black blocs, com os resultados conhecidos.
Ademais, já chamei a atenção para um aspecto especialmente preocupante do decreto de Dilma. Ele institui uma “justiça paralela” por intermédio da “mesa de diálogo”, assim definida no Inciso VI do Artigo 2º: “Mecanismo de debate e de negociação com a participação dos setores da sociedade civil e do governo diretamente envolvidos no intuito de prevenir, mediar e solucionar conflitos sociais”.
Como a Soberana já definiu o que é sociedade civil, podemos esperar na composição dessa mesa o “indivíduo” e os movimentos “institucionalizados” e “não institucionalizados”. Se a sua propriedade for invadida por um “coletivo”, por exemplo, você poderá participar, apenas como uma das partes, de uma “mesa de negociação” com os invasores e com aqueles outros “entes”. Antes que o juiz restabeleça o seu direito, garantido em lei, será preciso formar a tal “mesa”…
É o “comunismo”? Não! Mas se trata de uma óbvia agressão à propriedade privada. De resto, não cabe a Dilma Rousseff, por decreto, estabelecer os mecanismos da chamada democracia direta. Isso é tarefa do Congresso Nacional. A governanta está usurpando uma prerrogativa do Congresso. Não é o golpe final das esquerdas, mas é mais um golpe na democracia.