Afinal, ministro Fux, um juiz julga segundo a lei ou, a cada caso, julga a lei? Ou: A lei vai para o banco dos réus?
Só há um modo seguro de fazer o trabalho que faço: dizer que gosto quando gosto e que não gosto quando não gosto, expondo aos leitores os meus motivos. No post abaixo, há o artigo que o ministro Luiz Fux, que tomou posse hoje no STF, publicou na Folha. Quem não leu deve fazê-lo. Não […]
Só há um modo seguro de fazer o trabalho que faço: dizer que gosto quando gosto e que não gosto quando não gosto, expondo aos leitores os meus motivos. No post abaixo, há o artigo que o ministro Luiz Fux, que tomou posse hoje no STF, publicou na Folha. Quem não leu deve fazê-lo. Não tomarei o seu texto como antecipação de seus juízos. Não devo fazê-lo porque não sei se será ou não. Tomara que não! O texto é ruim de vários modos combinados.
Fux apela em seu artigo, mais uma vez — e já o havia feito na sabatina no Senado — a aspectos de sua vida privada, vazados num tom um tanto emocionado, que, confesso, me constrangem um tantinho. Não sei que interesse pode haver nisso. Estou lendo o texto de um ministro do Supremo e quero saber o que ele pensa de seu ofício. Mas vá lá.
Há trechos no seu texto que me preocupam porque não sei exatamente o que querem dizer ou o seu alcance. Destaco um:
“Os juízes têm amor à justiça: enfrentam diuturnamente com a espada da deusa Têmis o conflito entre a lei e o justo, tratam os opulentos com altivez e os indigentes com caridade.”
Ok. O jogo de antíteses tem lá a sua graça, mas indago: havendo a contradição entre “a lei” e “o justo”, o juiz escolhe “a lei” ou “o justo”? As almas pias não teriam dúvida: “Há de se escolher o justo”. Perfeito! Então sigamos.
Todos sabemos onde está lei e o que vai escrito nela. Se estamos numa democracia, e estamos, há canais para mudá-la. Se não muda, é porque não se conseguiu a necessária maioria para tanto. Vamos adiante: o “justo”, segundo entendi, pode não estar na lei, mas alhures — onde então? O único lugar possível, dado o texto, é a cabeça do juiz. Se posso ler a lei, como faço para ler o “justo” na cabeça do magistrado? Acho que Fux está numa armadilha que o obriga a explicar qual é a diferença entre o que ele chama “justo” e o “discricionário”.
Não é o trecho mais preocupante, não. Leiam isto:
“Nesse mister, assemelhado às atividades sacras, cumpre ao juiz substituir o falso pelo verdadeiro, combater o farisaísmo, desmascarar a impostura, proteger os que padecem e reclamar a herança dos deserdados pela pátria.”
O “mister” de um juiz não pode ser “assemelhado às atividades sacras” porque estas tratam de “verdades” que não são deste mundo. Nas teocracias, sim, juízes e coisas sacras se igualam. Um juiz lida com a lei. Vá lá que ele “combata o farisaísmo” e “desmascare a impostura”, desde que não faça disso uma espécie de guerra santa — ou sacra… Mas o querem dizer expressões como “proteger os que padecem” e “reclamar a herança dos deserdados”? Isso me parece um pouco mais perigoso do que poesia condoreira — que só é uma agressão, a meu juízo, ao bom gosto.
Que tal uma situação concreta: sob certo ponto de vista, os sem-terra que invadem e depredam fazendas são “deserdados” reclamando a sua herança; os proprietários podem ser vistos, a depender da ideologia de cada um, como “os opulentos”. Como deve atuar um juiz? Deve aplicar a lei ou deve fazer justiça com a própria toga, reconhecendo no “conflito” a expressão da “luta de classes” que opõe “deserdados” a “opulentos”?
Reitero: não sei como serão os juízos de Fux. Tenho me fixado nas suas palavras. E elas me parecem mais carregadas de ambigüidade do que seria desejável a um juiz.
Afinal, ministro Fux, um juiz julga SEGUNDO a lei ou, a cada caso, julga A lei? É preciso tomar cuidado para que a lei não termine no banco dos réus, não é?, hipótese em que o estado de direito vai para o buraco.