A CPI da Pandemia no Senado se encontra neste momento diante de uma ironia. Depois de o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, jogar a médica bolsonarista Nise Yamaguchi na fogueira ao testemunhar que ela defendeu a mudança na bula da cloroquina em uma reunião no ano passado, o que seria ilegal, a oposição ao presidente Jair Bolsonaro deverá apoiar requerimentos que vieram justamente do Palácio do Planalto.
CPI deve convocar a médica Nise Yamaguchi
Até agora, a comissão recebeu três pedidos para levar a doutora Nise à CPI. Os dois primeiros, idênticos por sinal, foram apresentados pelos senadores governistas Ciro Nogueira e Jorginho Mello e trouxeram a “digital eletrônica” de uma servidora da Presidência — como revelou o jornal O Globo. Tinham como objetivo convidar a médica como uma profissional de “vasto conhecimento acadêmico e especialização nas áreas da medicina afetas ao tratamento da Covid-19”.
O outro, do também governista Marcos Rogério, é mais recente e visa convocar Nise à comissão para falar sobre pesquisas cientificas e políticas públicas que estão sendo construídas dia a dia. “Frear sua virulência e buscar protocolos seguros para o atendimento dos infectados e o enfrentamento da pandemia a médio e longo prazos têm sido o desafio diário mundial”, diz o requerimento.
Eis o que disse o chefe da Anvisa no seu depoimento, no fim da manhã desta terça-feira, ao ser questionado pelo relator, Renan calheiros, sobre o documento citado na semana passada pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que traria uma proposta de decreto presidencial para alterar a bula da cloroquina — medicamento defendido por Bolsonaro contra a Covid-19, apesar de ter sua ineficácia comprovada cientificamente.
“Esse documento foi comentado pela doutora Nise Yamaguchi, o que provocou uma reação, eu confesso, até um pouco deseducada ou deselegante minha, a minha reação foi muito imediata, de dizer que aquilo não poderia ser porque, talvez não seja do conhecimento de vossas excelências, só quem pode modificar bula de um medicamento é a agência reguladora daquele país, mas desde que solicitada pelo detentor do registro [o laboratório]”, declarou Barra Torres durante seu depoimento, no final da manhã desta terça-feira.
“Então quando houve uma proposta de uma pessoa física de fazer isso, isso me causou uma reação um pouco mais brusca. Eu disse “olha, isso não tem cabimento, isso não pode”, e a reunião [no Palácio do Planalto] inclusive nem durou muito mais depois disso”, acrescentou Barra Torres. Renan então fez questão de lhe dar os parabéns pela atitude. Ele, por sinal, está considerando o depoimento do chefe da Anvisa como “muito bom”.
Ao longo das suas respostas, Barra Torres, que disse ser amigo pessoal do presidente, ainda colocou o atual ministro da Defesa e então chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, na reunião em que a ideia tresloucada foi discutida. E se colocou contra a adoção da cloroquina contra a Covid-19, o que deve deixar seu amigo, no mínimo, irritado.
Em tempo: o contra-almirante da Marinha foi indicado para o cargo por Bolsonaro e está apenas no começo do seu mandato, que termina no dia 21 de dezembro de 2024.