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Por Renato Meirelles
Renato Meirelles é pai da Helena, acredita que a Terra é redonda, está à frente do Instituto Locomotiva e, neste espaço, interpreta os números muito além da planilha Excel
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Mães “inaptas” são mães

Para celebrar o dia das mães, a coluna desta semana traz um relato da diretora-executiva da iO Diversidade e antropóloga, Rachel Rua

Por Renato Meirelles Atualizado em 14 Maio 2023, 08h39 - Publicado em 14 Maio 2023, 08h00

“Filhos, filhos? Melhor não tê-los! Mas se não os temos, como sabê-los”. Quando era ainda uma menina, saindo da adolescência, uma tia muito querida me pediu para procurar um poema de Vinícius de Moraes que ela queria muito, mas não sabia o nome, só os primeiros versos.

A fama de estudiosa, CDF mesmo (quem tem 40 anos ou mais sabe o que isso significa), transformava-me em fonte de informação para parte da família, só que eu não conhecia esse poema, e numa época que a internet não estava tão acessível como hoje demorei um pouco para achá-lo.

O Poema Enjoadinho, de Vinícius, foi o meu primeiro contato com a ideia de que ter um filho podia ser um desafio. Confesso que ele me assustou, e achei o poeta meio frio, mas que se redimia nas estrofes finais.

Só fui entender Vinícius muitos anos mais tarde, quando tive meu primeiro e único filho, João. A minha gravidez foi desejada e planejada, mas irrefletida. Ao me deparar com a criança, depois dos 3 dias idílicos na maternidade, sem a dor na coluna que me torturou nos últimos 3 meses de gravidez e, ainda dormindo, eu me vi completamente inapta para ser mãe.

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Amamentar doía, o choro dele doía, a falta de sono doía, a minha sensação de incapacidade de ser mãe doía. Eu só pensava, quando vai acabar a licença maternidade para eu voltar a sair, trabalhar, descansar? Quando ele vai andar, fazer suas necessidades sozinho e falar? Pensar em tudo isso também doía, porque, afinal, eu tinha escolhido ser mãe, eu queria ser mãe, eu amava aquele ser com todas as minhas forças e eu estava odiando ser mãe.

Eu odiava ser mãe porque para ser mãe me sentia na obrigação de deixar de ser um indivíduo desejante, eu achava que tinha que renunciar aos meus desejos em prol dos desejos e necessidades do João. Eu não queria isso, no entanto, era a minha obrigação e me sentia abandonada por todos, mas, sobretudo, por mim mesma.

Nessa época eu tinha uma esperança de que ele cresceria, se tornaria um indivíduo, e eu poderia voltar a ser eu mesma. Ah, ledo engano. Primeiro porque a “eu mesma” de antes já não existia, e vim a descobrir que nem eu mesma queria ser “aquela eu”. Segundo, porque os filhos crescem e exigem outras demandas e eu continuava me sentido sufocada pela certeza, que tinha, de que era incapaz de ser mãe, e que o João tinha tido uma má sorte terrível de ser meu filho.

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Ainda bem que as crianças crescem, e aprendem a falar. Ainda bem que nós, adultos, uma hora aprendemos a ouvir também. O João, pouco a pouco, foi me dizendo e me ensinando que não há receita para ser mãe, e que, talvez, não haja mãe inapta, apenas diferente. Isso porque a experiência de ser mãe é individual e cada qual vive à sua maneira, embora os padrões, as cobranças e muitas das dificuldades sejam coletivas e tenham a ver com os papeis socialmente construídos para o feminino e o masculino, a organização do mercado de trabalho, entre uma série de outras questões que todo ano, no dia das mães, são relembradas para serem invisibilizadas na semana seguinte.

Ouvir o João me ensinou que junto da workaholic, da antropóloga, da mulher que está envelhecendo e do indivíduo, também tem a “mãe fofinha” que quando ajuda na lição de casa faz mais pergunta que a professora, que assiste a One Piece há meses e até hoje não entendeu nada do anime, que ensinou o que é “ser ruim de vídeo game”, e que é capaz de ter espírito de porco suficiente para dar susto no filho e depois morrer de remorso por tê-lo assustado, mas continuar a fazê-lo.

Ainda bem que tem a vozinha do João me ensinando que mesmo mães inaptas são mães.

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