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Por Renato Meirelles
Renato Meirelles é pai da Helena, acredita que a Terra é redonda, está à frente do Instituto Locomotiva e, neste espaço, interpreta os números muito além da planilha Excel
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Escravidão, empresários irresponsáveis e o chatGPT

Visões distorcidas sobre políticas de assistência social após escândalo de trabalho análogo à escravidão revelam atraso de setores do empresariado

Por Renato Meirelles 3 mar 2023, 10h00

O Brasil se deparou na última semana com mais um lamentável episódio de trabalhadores submetidos a condições degradantes análogas à escravidão em pleno século XXI. Uma operação conjunta da Polícia Federal, Ministério do Trabalho e Polícia Rodoviária Federal no último dia 22 de fevereiro resgatou cerca de 200 pessoas que viviam em condições sub-humanas em algumas das principais vinícolas de Bento Gonçalves (RS), município que é referência na produção de vinho no país e um dos mais tradicionais destinos turísticos da região Sul do Brasil.

Como se não bastasse o absurdo do episódio, nos últimos dias um vereador de Caxias do Sul (RS) fez da tribuna um discurso xenófobo contra baianos e pediu que as vinícolas não contratassem mais pessoas do Estado. Para completar, uma associação industrial de Bento Gonçalves afirmou em nota que “um sistema assistencialista” tem deixado grande parcela da população inativa, dando a entender que programas como o Bolsa-Família estariam gerando falta de mão de obra na cidade. Diante desse cenário, é crucial entender porque discursos de intolerância e com visões tão rasas e equivocadas sobre políticas de assistência social seguem sendo reproduzidos e reforçar como eles são, ao fim e ao cabo, prejudiciais para os próprios empresários e políticos que seguem reproduzindo isso.

Em primeiro lugar, lamentavelmente, temos que levar em conta que ainda existe uma parcela considerável da população de estados do Sul do país que se consideram prejudicados por políticas de assistência social e distribuição de rendas lançadas no Brasil desde o começo da década de 2000. Some-se a isso os últimos quatro anos de um governo conservador marcado pela sua retórica truculenta que deu vazão e estimulou em grande medida discursos de intolerância e de desrespeito aos direitos humanos, como os vistos pelo vereador e pela entidade empresarial.

Infelizmente, este tipo de retórica não é novidade e ainda deve perdurar por um tempo no nosso país. Isso só reforça a necessidade de divulgar as informações corretas sobre o verdadeiro impacto de políticas sociais na vida da população mais pobre e lembrar como o mercado pune esse tipo de postura retrógada de empresários que não se atualizam.

A começar pelo fato de que, diferente do senso comum elitista reproduzido na nota da associação de Bento Gonçalves, o Bolsa-Família não desestimula as pessoas a buscarem emprego. Pelo contrário, como tem sido mostrado em estudos sobre o tema, ao garantir o mínimo de subsistência para as famílias mais pobres, o programa abre possibilidades para que mães e pais não tenham que recorrer a bicos e trabalhos temporários para garantir o mínimo para casa e possam, assim, buscar melhores empregos.

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Além disso, o benefício social tem um valor baixo e compõe apenas uma parcela da renda das famílias que precisam da ajuda e que buscam trabalhos complementares ao benefício para melhorar de condição de vida. O próprio Banco Mundial identificou, em nota técnica divulgada ano passado, que 70% dos adultos aptos ao trabalho no Bolsa Família já estão na força de trabalho, mas sua renda é insuficiente para tirar a família da pobreza. Não por menos, a instituição financeira reconheceu que o Bolsa-Família não gera desestímulo na busca por emprego e defendeu regras que garantam a permanência dos beneficiários no programa mesmo que eles consigam emprego formal.

Enquanto um banco que tem atuação em todo o mundo reconhece os benefícios da política assistencial e o fato de ela não prejudicar a busca por emprego, os empresários de Bento Gonçalves com a visão retrógrada já começam a sentir o peso de suas concepções atrasadas. Além dos processos judiciais e multas que devem pesar no bolso das empresas, a Apex suspendeu as vinícolas do programa que promove exportação de vinhos brasileiros para o exterior.

O cenário aponta ainda para um grande boicote às marcas, que em tempos de redes sociais podem ver sua reputação ser diariamente atacada e virar pó. Para a infelicidade dos empresários gaúchos envolvidos no episódio, os consumidores baianos acessam a internet e divulgam seu repúdio às marcas nas mesmas redes sociais que consumidores de todo o país e que podem facilmente se sensibilizar. Será necessário muito mais que uma nota para contornar o problema. Ainda assim, caso queiram emitir um posicionamento  sobre o episódio para demonstrar que não compactuam com as práticas condenáveis, os empresários gaúchos podem recorrer ao ChatGPT. A coluna sugeriu à ferramenta a produção de uma nota em nome de uma suposta entidade empresarial local repudiando o ocorrido, e eis o resultado:

“Caros membros da comunidade de Bento Gonçalves,

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Recentemente, três das principais vinícolas da cidade foram envolvidas em um escândalo de trabalho análogo à escravidão com trabalhadores contratados.

É compreensível que a comunidade esteja revoltada com as notícias e que queiram saber como a Associação Comercial local está lidando com esta situação. A Associação Comercial de Bento Gonçalves vem a público para reafirmar sua condenação às práticas de trabalho análogo à escravidão.

Estamos trabalhando para assegurar que nenhuma das empresas associadas à Associação Comercial de Bento Gonçalves se envolva em nenhuma forma de trabalho análogo à escravidão.

Estamos comprometidos em proteger os direitos dos trabalhadores e em garantir que todos os empregadores associados à Associação Comercial de Bento Gonçalves cumpram com os padrões mais altos de conduta e ética.

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Atentamente, Associação Comercial de Bento Gonçalves”

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