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“Nunca bati palma para mané”, diz Fafá de Belém sobre 50 anos de carreira

Cantora paraense celebra neste final de semana, em Belém, o Círio de Nazaré, uma das maiores procissões católicas do mundo

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 9 out 2024, 09h00
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  • Com quase 50 anos de carreira, a cantora paraense Fafá de Belém carrega em seu nome artístico a cidade onde nasceu. Grande divulgadora da cultura do Pará, a artista criou há 14 anos o Varanda de Nazaré, um espaço privilegiado onde é possível acompanhar a procissão do Círio de Nazaré, que neste ano acontece em 13 de outubro e deverá atrair cerca de 3 milhões de pessoas. As festividades, no entanto, já começaram nesta terça-feira, 8, e contará com uma grande programação até o fim da semana.

    Em entrevista a VEJA, a cantora falou da realização do Varanda de Nazaré deste ano e, também, do II Fórum Varanda da Amazônia, entre terça e quarta-feira, 9. O fórum, realizado no Teatro Maria Sylvia Nunes, tem como objetivo discutir a preservação da Amazônia com especialistas, acadêmicos e representantes dos povos da Amazônia. Até o fim de 2025, aliás, o Pará ganhará imensa atenção mundial, com a realização da COP 30 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025), que reunirá líderes de diversos países em Belém. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

    Como surgiu a ideia, há 14 anos, do Varanda de Nazaré, durante o Círio de Nazaré? Tive esse sonho há 15 anos quando um grupo de amigos desistiu de ir ao Círio porque não tinha mais vagas nos hotéis. Então, resolvi fazer uma coisa minha, que mostrasse a cultura amazônica. Naquela época, o Pará não estava na moda. A nossa culinária não havia sido descoberta e nem se sonhava com a COP30. Nos meus 50 anos de carreira, eu sempre trouxe gente para assistir ao Círio e todos voltavam maravilhados com a potência da procissão, que é a maior procissão católica mariana do mundo, que reúne em dois dias 3,5 milhões de pessoas.

    A senhora celebra 50 anos de carreira em 2025. Como é atingir essa marca? Comecei com 18 anos. Minha primeira música, Filho da Bahia, estourou na novela Gabriela, em 1975. Eu não sabia o que era ter uma trilha de novela. De lá para cá, eu raramente parei. Mas, chegar a 50 anos de carreira, aos 68 anos, é muito emocionante, porque continuo a menina que saiu daqui do Pará, brava, de posicionamentos muito claros, nunca negociei a minha alma, nunca fiz graça, nunca bati palma para mané. Isso, às vezes, te traz alguns isolamentos. Não faço parte de turma A, B ou C, mas circulo em todos os lugares. Nunca quis ser cantora. Eu queria ser psicóloga. 

    Como assim? Uma vez, um produtor me procurou para fazer um disco X super comercial. Eu acabara de estourar com Tamba-Tajá, meu primeiro LP. O Roberto Santana, que foi quem me descobriu, me disse que eu tinha que escolher se eu queria ter uma carreira ou sucesso. No sucesso, iriam espremer a laranja toda e não iria sobrar nada. Uma carreira, eu iria levar portada na cara, mas também deveria aprender a dizer não. Como consequência, eu iria me sentir isolada e fora do mercado, mas em 50 anos eu olharia para trás e veria que construí uma carreira.

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    Ao se mudar para o sudeste para trabalhar, sofreu muito preconceito? Muito, ninguém sabia onde ficava o Pará àquela altura. Então, ser uma mulher do Norte, com um biotipo completamente diferente, com uma gargalhada enorme, que usava um decote porque eu gostava, e não porque estava querendo se mostrar, era uma coisa estranha, muito estranha. Imagina a quantidade de assédio que sofri, sem perceber. Mas eu sempre soube me defender. Sempre fui grandona, desde os 12 anos. 

    A cantora Fafá de Belém durante evento de divulgação do Varanda de Nazaré em outubro de 2024
    A cantora Fafá de Belém durante evento de divulgação do Varanda de Nazaré em outubro de 2024 (//Divulgação)

    Paralelamente ao Varanda de Nazaré, a senhora também realizará o fórum de sustentabilidade Varanda da Amazônia. Ainda se discute pouco a importância do meio ambiente? O fórum traz a possibilidade de mostrar que nós não somos só alegria. É muito fácil olhar para nós, amazônicos, com penacho, tacape ou vestindo uma saia de carimbó. Nós vestimos, sim, para dançar. Os indígenas usam isso em seus povoados. Não são eles que devem ensinar como a gente tem que se comportar. Nesse fórum, nós convocamos os pensadores amazônicos a falar sobre nós. Isso é um diferencial do que vi lá fora. Vi muita gente fantasiada, desculpa falar assim, porque a gente não vive assim no meio da rua. 

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    O Círio é uma procissão católica gigantesca e a sua relação com a fé é conhecida, tanto que foi convidada para cantar para três papas. Como foram essas ocasiões? Tomei um susto nas três vezes que me ligaram. Eu nunca fui de sair por aí balançando terço ou dando lição. O ano de 1995 foi muito difícil para mim e busquei refúgio em Roma, num domingo de Páscoa. Me emocionei ao ver o Papa João Paulo II e eu desejei do fundo da alma abraçar aquele ser humano tão diferenciado. Quando ele veio ao Brasil, me convidaram. Eu soube anos depois que foi devido a minha coerência na campanha das Diretas Já, algo que me orgulha muito. E eu fui lá e beijei o Papa, foi aquela coisa mundial. O mesmo se repetiu quando Bento XVI e o Papa Francisco vieram. Foi uma bênção gigantesca porque eu nunca fiz lobby para isso. 

    Recentemente, a senhora se apresentou em uma cadeira de rodas em Portugal após sofrer uma queda. Como está a saúde? Quebrei o joelho, mas nem isso me parou. Foi chato porque sou uma pessoa ativa. Passei quase três meses com a perna imobilizada, mas não deixei de fazer shows, só diminui o ritmo. Sou muito independente e ser cuidada 24 horas por dia é algo fora da minha normalidade. Esse acidente talvez tenha sido um toque para mim, que sempre dei mais importância as urgências do outro. Passei a dar urgências as minhas urgências. 

    Belém atrairá as atenções do mundo durante a COP30. Como avalia a atuação do Brasil na prevenção da natureza? Acho que o assunto climático, que sempre foi considerado uma coisa menor, levou um basta do planeta. Acontecer a COP30 aqui na Amazônia tem uma importância gigantesca para o mundo, para nós, para o ser humano que acha que deixar uma torneira aberta por muito tempo não faz mal. 

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    Durante a COP, os organizadores do Rock in Rio irão promover um mini festival no Pará, com uma atração internacional. Eles chegaram a te convidar? Não me convidaram. Acho que é cedo. Desejo que eles sejam felizes porque quanto mais olhos tiverem para cá, quanto mais artistas paraenses tiverem os olhos do mundo, maiores seremos. 

    A senhora chegou a dizer que o Dia do Brasil no Rock in Rio não tinha artista paraense. Gostou do resultado?  Eu toquei no Rock in Rio com o grupo do Pará em 2019, mas acho que o Rock in Rio esqueceu da Amazônia quando fez aquela canção este ano. Depois eles fizeram um mea-culpa, chamaram algumas pessoas. Acho que a vida caminha. Eu não ando para trás. A minha vida é sempre caminhando. Eu não reclamo para estar presente. Quem tem 50 anos de história não pode ficar calado.

    A senhora ainda sonha em gravar um disco de rock? Já tenho um show de rock and roll, mas daqui a pouco gravo esse disco. Eu, que nunca fui escrava de agenda, sempre inventei coisas, posso fazer mais coisas ainda. Quem sabe eu faço meu álbum de rock and roll em breve.

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