Com mais de 30 shows lotados até o fim do ano, o cantor João Vitor Romania Balbino, nome completo de Jão, entrou para o hall de fenômeno da música pop brasileira. Com suas composições de “sofrência pop”, que misturam letras à la sertanejo magoado, mas com a batida do pop rock, ele tem conquistado os fãs da chamada geração Z. No fim de maio, a reportagem de VEJA acompanhou uma das apresentações de sua nova turnê, Pirata, e conversou com Jão sobre suas influências musicais, a histeria dos fãs e como ele lida com a fama. A seguir, os principais trechos:
Aos 27 anos e com apenas três discos lançados, você lotou todos os shows de sua nova turnê. Em São Paulo, as cinco apresentações no Espaço Unimed (com capacidade para 8.000 pessoas) também estão esgotadas. Como é ser um popstar? Eu projeto essa imagem de popstar, mas, para falar a verdade, eu estou muito cansado (risos). Eu gosto muito do meu trabalho e de fazer o que eu faço, mas toda essa parte de viagens, locomoções e tudo o que envolve a carreira me sufoca. Eu gosto mesmo do palco, do estúdio, de cantar e de criar. Quando o disco foi lançado, no final do ano passado, as coisas ainda não estavam acontecendo devido à pandemia. Só quando a turnê começou que eu senti o impacto de tudo o que estava rolando. Só no Espaço Unimed eu vou me apresentar para quase a população da minha cidade natal (Américo Brasiliense, no interior de São Paulo, que soma 42.000 habitantes).
Se colocar uma sanfona em suas músicas, elas poderiam soar como sertanejo, mas seu som está mais para o pop rock. Como você explica que tipo de música faz? É muito difícil explicar mesmo. A gente quebra a cabeça até hoje. No começo da minha carreira isso confundia muito os contratantes. As rádios sertanejas não tocavam a minha música porque não era sertanejo. E as rádios pop também não, porque não era tão pop assim. Eu ficava nesse limbo. Eu cresci ouvindo sertanejo na minha cidade. Era o que tinha para ouvir lá. Eu gostava muito e cantava com o meu pai e não tem como não deixar isso transparecer na forma como eu canto ou escrevo. Eu não gosto de alguns posicionamentos que existem ali no sertanejo, mas o ritmo, eu gosto muito.
Sua apresentação no festival Lollapalooza, em março, arrebanhou uma multidão. Foi ali que você sentiu que algo tinha mudado na sua carreira? Com certeza aquele show foi uma mudança de chavinha. Fiquei anestesiado. Eu estava muito nervoso com o show no Lollapalooza. Sinceramente, eu achei que fosse ter algumas poucas pessoas. Eu sempre acho que não vai ter ninguém, sabe? É uma maneira de preparar a minha mente, caso algo não dê certo.
Ainda consegue andar na rua sem ser reconhecido? Está um pouco mais difícil de andar na rua como antes da fama. Eu gosto muito de andar a pé, aliás. De fazer as coisas a pé. Quando eu ainda não havia estourado, eu caminhava pela rua Teodoro Sampaio, em São Paulo, e ficava prestando atenção nas músicas que tocavam nas caixas de som das lojinhas de lá. Eu pensava que eu só seria famoso mesmo quando a minha música estivesse tocando ali. Esses dias, o Pedro, que trabalha comigo, passou por lá e ouviu Meninos e Meninas tocando e filmou para me mandar. Foi muito divertido e comemoramos. Essas coisas mostram que o meu som chegou numa galera que não consumia isso. É muito interessante.
Na plateia é possível perceber um público com muitas crianças e adolescentes. Esperava ter um público tão jovem? É uma surpresa. Cada vez mais eu vejo jovens nos meus shows. Meu público sempre foi de pessoas entre 18 e 24 anos. Quero que meus shows sejam um lugar seguro. Um lugar que eu nunca tive a oportunidade de frequentar e de me sentir confortável quando era mais jovem.
Parte do seu público faz parte da geração Z, que é mais fluída e livre tanto nos costumes quanto sexualmente. Você se identifica com essa geração? Tecnicamente eu acho que não sou dessa geração, mas acho que a forma como eu falo e me expresso, além das minhas músicas e dos meus shows, criam esse lugar seguro que eu te falei. Eu faço com que as pessoas se sintam acolhidas. No fim, eu sei que para atingir um sucesso comercial na minha carreira, eu preciso ser o mais honesto possível. O público espera isso de mim.
Você faz covers de Cazuza em seus shows e até cita ele em uma música. Como ele influenciou as suas composições? Minha mãe tinha três discos que eu ouvia muito: um da Marisa Monte, a trilha sonora da novela O Beijo do Vampiro, e um disco do Cazuza. Eu ouvia muito, mas ainda era jovem para entender as músicas dele. Só mais velho, assistindo entrevistas dele na televisão que me despertou o interesse. Fiquei obcecado por ele, pelas histórias e fui atrás. O Cazuza sempre foi muito cru e verdadeiro e escrevia letras fenomenais que todo mundo entendia e cantava. É uma coisa que eu quero pegar dele. Não quero nunca me trair e fazer algo que eu não queira, ao mesmo tempo, quero que minhas músicas cheguem em todo mundo, das senhorinhas aos adolescentes.
No primeiro show da turnê Pirata, no Rio de Janeiro, a mãe do Cazuza encontrou com você nos bastidores. O que conversaram? Eu não acreditei quando soube que ela estava na plateia. Logo depois, ela pediu para falar comigo. Como assim? O que está acontecendo? Fiquei em choque. Mas ela foi muito querida. Ela é muito inteligente. Conversamos e ela disse para pensarmos em um projeto sobre o Cazuza. Ela pincelou que existem letras dele nunca gravadas, mas eu não me atrevi a me aprofundar nesse assunto.