Fãs de Coldplay ignoram crise econômica e lotam dez shows na Argentina
Como foi a turnê da banda em Buenos Aires, onde se apresentou para um público de mais 650.000 pessoas
BUENOS AIRES – A banda britânica Coldplay bateu recorde de público na última terça-feira, 8, em Buenos Aires, na Argentina, após realizar dez shows seguidos no estádio do River Plate. O grupo se apresentou para mais de 650.000 pessoas entre os dias 15 de outubro e 8 de novembro. Com ingressos esgotados todos os dias, a banda superou o recorde anterior, que era de Roger Waters, que havia feito nove shows para cerca de 400.000 pessoas em 2012, também no mesmo estádio.
Para entender o fenômeno que envolve essa quantidade absurda de apresentações, a reportagem de VEJA acompanhou em Buenos Aires o show que a banda fez no do dia 2 de novembro. Em setembro, os britânicos já haviam feito uma apresentação no Rock in Rio e deveriam ter emendado uma série de shows no Brasil, mas eles foram adiadas para março do ano que vem, devido a uma infecção pulmonar que atingiu o vocalista Chris Martin. Os novos shows no Brasil vão ocorrer no Estádio do Morumbi, em São Paulo (seis apresentações), Couto Pereira, em Curitiba (duas), e no Engenhão, no Rio de Janeiro (duas).
Para além da turnê superlativa, chama a atenção o fato da apresentação ocorrer em um dos momentos mais difíceis da economia da Argentina, com uma previsão de inflação de 100% ao ano, segundo o Banco Central do país. Os dez shows movimentaram tanta a economia do país, que foi criada uma cotação extra do dólar, chamada “dólar Coldplay”. A medida, que visava evitar a saída da moeda do país, também serviu para apoiar o setor cultural, que está com dificuldade de contratar e pagar pelas atrações internacionais, permitindo o acesso a um dólar mais barato.
Em tempo, os preços dos ingressos para o Coldplay giravam entre 60 reais (preço promocional) a 450 reais. Entre o público, muitas pessoas comentavam, no entanto, que não conseguiam entender como os portenhos tinham dinheiro para gastar em shows assim. “Apesar das dificuldades, não vemos os bares e os restaurantes vazios. Está tudo lotado. Mas, uma coca-cola que hoje custa 500 pesos (10 reais), semana que vem vai custar 750 pesos (15 reais). Não dá para entender o estádio lotado”, disse um fã.
É preciso lembrar, no entanto, que os britânicos guardam uma estreita relação com a capital argentina. Chris Martin fala espanhol fluente e faz questão de se dirigir a plateia na língua local, quase sem sotaque. Além disso, o grupo, em um gesto para lá de simpático, sempre toca na íntegra Da Música Ligera, da banda Soda Estereo, um dos clássicos do rock argentino, momento no qual o público vai à loucura. Em algumas apresentações, há ainda alguns tangos, onde a banda bota toda a plateia para dançar. Martin também recebeu vários convidados especiais argentinos, como a cantora pop Tini Stoessel, de 25 anos, uma das mais populares da atualidade, e a cantora cordovesa Zoe Gotusso.
Em 2018, a banda já havia lançado um álbum ao vivo de um show feito em Buenos Aires. Neste ano, as apresentações dos dias 28 e 29 de outubro foram transmitidas ao vivo para os cinemas de 81 países, inclusive o Brasil, e contou com a participação especial do cantor sul-coreano Jin, do grupo de kpop BTS. O show de abertura ficou a cargo da americana H.E.R.
A outra explicação para o fato da banda arrastar tantas pessoas para as suas apresentações reside no fato de que é impossível recriar – mesmo em transmissões nos cinemas – a sensação de assistir ao show ao vivo. De certa forma, o Coldplay renovou o conceito de “rock de arena” e suas performances transformam a plateia em parte integrante do espetáculo, tirando o fã do mero papel de espectador, colocando-o com protagonista do show. Não menos importante, é também o bom-mocismo da banda. Antes de começarem a cantar, eles informam nos telões que o piso tátil do estádio absorve energia que será usada no show. Há bicicletas ergométricas nas laterais onde o público é convidado a pedalar para gerar energia enquanto ouve o show. As pulserinhas coloridas são feitas de materiais recicláveis e devem ser devolvidas no final para serem reaproveitadas. Além de outras iniciativas para a preservação do meio-ambiente.
Superado o perrengue de saúde que fez Martin adiar os shows no Brasil, em Buenos Aires ele demonstrou disposição de menino. Embora o show seja absolutamente roteirizado, sem muito espaço para improvisação no repertório (até porque todas as músicas são sincronizadas com as famosas pulserinhas coloridas distribuídas ao público), Martin conseguiu comandar um espetáculo de luz, fogos de artifício, efeitos especiais, lasers e chuva de papel picado. O show foi bastante semelhante ao apresentado no Rock in Rio (também transmitido pela TV), porém ainda mais grandioso devido ao público nas arquibancadas. Apesar do problema pulmonar, o músico cantou sem desafinar, correu por todo o palco – que se estendia até o meio da plateia – tocou piano, guitarra e violão, e não demonstrou nenhuma sequela. Uma excelente notícia para os fãs que esperam curtir a banda no Brasil.