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Por Felipe Branco Cruz
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Ed Motta: ‘Sair na rua é um inferno pra mim, não quero ver a vida lá fora’

Em entrevista a VEJA, músico fala de sua rotina de ermitão e sobre o novo álbum 'Behind The Tea Chronicle', inspirado em séries e filmes dos anos 70

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 20 dez 2023, 11h05 - Publicado em 20 dez 2023, 09h00

Ed Motta surgiu para a música nos anos 1990 ungido como sobrinho de Tim Maia. Fascinado pela música negra, lançou sucessos como Manuel, Fora da Lei e Colombina, concessões pop feitas por ele numa época em que as gravadoras dominavam o mercado. O tempo passou e Motta passou a focar sua carreira só no que ele gosta. Seus últimos trabalhos, todos gravados em inglês, contam histórias das quais ele acompanha vorazmente na TV de casa. Behind The Tea Chronicles,  14º álbum do artista, foi inspirado neste mesmo universo, com letras sobre séries de TV e filmes dos anos 1960 e 1970, como Colombo, Barnaby Jones e Streets of San Francisco. Ermitão assumido, o cantor, que já chegou a ganhar disco de platina pelo álbum Manual Prático Para Festas, Bailes e Afins, de 1997, hoje diz não entender muito bem os parâmetros que garantem a um álbum o selo de sucesso. “Meu disco teve um milhão de reproduções nas plataformas. É muito? É pouco? Para o meu nicho, é algo grande? Não sei. Comparado com cantores pop, pode ser pouco, mas um milhão de pessoas ouviram minhas músicas, até no Japão”, diz ele em entrevista a VEJA. Sem papas na língua, Motta soltou o verbo e falou sobre seu desprezo por tudo que é atual e sobre os cancelamentos que sofreu recentemente. Confira a seguir os melhores trechos da conversa:

As letras de seu novo disco, Behind The Tea Chronicle, são todas em inglês. Por que essa escolha? A verdade é que o público internacional preferiria que eu estivesse cantando em português. Os gringos preferem brasileiros cantando em português. A chancela internacional para um artista cantar inglês só é dada quando ele vem de um país nórdico ou do Norte da Europa. A música brasileira é muito difundida no mundo e a língua brasileira tem sua beleza, tem essa coisa no imaginário sexy e tropical. Porém, por mim, todos os meus discos teriam sido em inglês, sem exceção. Jamais teria cantado em português na vida. Nos meus primeiros álbuns, o André Midani, na época, presidente da Warner, disse que brasileiro não poderia cantar em inglês porque não tocaria na rádio. Existia esse olhar, uma espécie de defesa anti-imperialista. Meu motivo para cantar em inglês é meramente estético. O tipo de história que abordo nas minhas letras não é latino.

Sempre fui um ermitão desde garoto. Eu e a Edna não temos convívio humano. Tenho 52 anos e ninguém convida mais a gente para nada, porque não vamos.

Ed Motta

A inspiração para suas composições vêm de filmes e séries policiais e de ficção dos anos 1970. Daí a razão de cantar em inglês? Sim. E eu dou crédito de onde vem a minha inspiração para deixar bem claro que não faço parte do esterótipo do artista que diz que sua composição veio do “fruto da sua vivência”. Coisa nenhuma. Quem diz isso são pessoas que não leem ou não assistem filmes. Alguém chega e diz: “Escrevi essa música após ter andado a cavalo”. Ah, vá a m….! As minhas músicas são fruto dos filmes que vejo. Minha vivência é por meio da arte. É a arte imitando a arte. Eu não estou na rua hora nenhuma. Sair na rua é um inferno para mim. Não quero ver a vida lá fora. Não tem nada de interessante no mundo que vivo desde que nasci. Em qualquer lugar do Brasil, em qualquer lugar que eu estiver do mundo, eu acho tudo ruim. Tenho uma personalidade niilista. Minha inspiração vem do meu amor, paixão e devoção pela arte. Consumo arte 24 horas por dia. Não tenho tempo para bater uma bolinha ou tomar uma cervejinha. Na mesa de bar, todo mundo fala besteiras que não levam a lugar nenhum. Prefiro ler as obras completas de Sidney Sheldon a ter um bate-papo numa mesinha de bar.

Seu novo disco foi lançado cinco anos após o último álbum de inéditas. Foi um trabalho gestado dentro de casa, durante o isolamento da pandemia? O meu modus vivendi já era bastante parecido com o lockdown. Para mim, a pandemia fez pouca diferença porque eu e minha esposa, Edna, com quem estou casado há 33 anos, não vamos a lugar nenhum. Estamos sempre em casa, lendo, vendo filmes, ouvindo música. A mudança que tive no lockdown foi que não precisei sair de casa para pegar avião. Eu nunca dormi tão bem na vida quanto no pico da pandemia. Tudo isso porque eu não precisava ir ao aeroporto. São horas de terror que sinto desde o primeiro minuto que pego o táxi, quando boto o pezinho no embarque, até a hora que o avião chega. Para mim, é kafkiano. Então, eu realmente tive mais tempo e dignidade mental para poder desenvolver uma obra com esse nível de detalhe. Sou perfeccionista e foram dois anos de polimento, um negócio obsessivo em busca da mixagem perfeita.

Essa sua postura reclusa é também a razão pela qual não gosta de fazer shows? Dizem que prefiro estúdio. Na realidade, eu não prefiro nada. Prefiro mesmo uma boa comida e uma garrafa de vinho. Gosto do disco pronto. Quando ele está pronto, é o máximo. Mas fazer o disco não é uma das coisas mais agradáveis do mundo. É ainda mais difícil para quem é perfeccionista. No entanto, paguei a língua esses dias porque fiz um show na Marina da Glória e eu estava super feliz. Minha banda até me sacaneou dizendo que eu estava gostando de tocar ao vivo. Para mim, a questão é o entorno. Essa coisa de viajar, ficar em hotel, é tudo muito ruim. Tenho pesadelos recorrentes que estou embarcando no aeroporto e depois num hotel, é um terror. Sempre fui um ermitão desde garoto. Eu e a Edna não temos convívio humano. Tenho 52 anos e ninguém convida mais a gente para nada, porque não vamos. Não vamos ao show de ninguém, na pré-estreia de filme de ninguém e na peça teatral de ninguém. Não vamos na casa de ninguém e ninguém vem aqui em casa. Não temos filho, sobrinhos, nada. Somos só nós dois. Não tenho problema para resolver.

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Eu já fui cancelado no Brasil umas quatro vezes. Sou contratado pela MPS, o selo mais importante de jazz da Europa. Então, eu vou dar ouvido a cancelamentos?

Ed Motta

O senhor é um notório colecionador de vinis e audiófilo. Ainda escuta muita música neste formato ou o streaming já te conquistou? Gosto do streaming de altíssima resolução, como o Qobuz e o Tidal. Tenho preferido ouvir música digital, mas dos arquivos que eu mesmo faço a cópia. Compro aquele arquivo em alta definição e escuto da maneira mais fidedigna possível. O Qobuz e o Tidal atingiram um nível cuja qualidade é muito próxima da cópia do estúdio. Antigamente, mesmo um CD, quando saía, você não sabia se o que o fã iria escutar era parecido com o que você trabalhou no estúdio ou se teve alguma compressão. Nunca era igual. O Qobuz é bem xiita nesse aspecto e o favorito dos audiófilos. 

Quer dizer que a qualidade do vinil foi superada? O vinil tem uma qualidade que nunca será superada que é ser uma peça de arte. O digital não é físico, ele está voando. Não é algo que você bota na parede, como um quadro. Você pode ter uma obra de Kandinsky digital com resolução perfeita, mas ainda será uma cópia. Nada tira a importância do drama da obra como ela é. Nesse aspecto, o vinil é soberano. Quando você pega a capa, não é só uma capa, é uma obra que você tem, como um livro. É como ler um livro no digital, no Kindle, e ler no físico. São experiências diferentes.

Durante a pandemia, você colocou à venda de sua coleção de LPs, como um exemplar raro do Moacir Santos, oferecido por 45.000 reais. Conseguiu vender todos?  Vendi esse do Moacir Santos que você citou para um colecionador brasileiro, mas o valor foi mais baixo. Também vendi muito caro um raro do Arthur Verocai. Tenho esses discos no digital. A verdade é que eu não estava mais ouvindo vinis com tanta frequência.

Sua conexão com o mundo, então, é por meio das lives que faz periodicamente no Instagram? As lives funcionam como uma TV independente. Para mim é um negócio maravilho. Sou leonino, ególatra e egocêntrico. O maior presente que um leonino pode ter é a live do Instagram. O público da live é composto pelos meus melhores amigos da vida. É um lugar onde eu só falo e todo mundo escuta. Eu só respondo o que quero e quem está me irritando, eu deleto. A vida tinha que ser assim.

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Por outro lado, suas opiniões sinceronas  fizeram você ser cancelado nas redes sociais. Como lidou com isso? Não muda nada. Eu já fui cancelado no Brasil umas quatro vezes. Sou contratado pela MPS, o selo mais importante de jazz da Europa. Então, eu vou dar ouvido a cancelamentos? Sou cancelado numa área que eu nem trabalho. Estou cancelado no meio do jovem hipster. Não estou interessado nessas figuras também.

Por falar em redes sociais, acompanha as novas tecnologias, como inteligência artificial? Estou bem por fora disso. Tenho total desprezo pelo presente. O presente nunca é legal. Amo Beatles, mas não ouvi a música nova deles. Preciso decantar o que todo mundo está fazendo, esperar acalmar. O que todo mundo quer, eu não quero. Quando vou num restaurante e o garçom me diz que aquele prato é o mais pedido, será justamente esse que não pedirei. Vivo na minha bolha. Sou um estudioso profundo dos assuntos que me interessam: o cinema dos anos 1920 aos 1950, a música dos anos 1920 aos anos 1970 e histórias em quadrinho dos anos 1940 até os anos 1970 (a esposa de Ed Motta é desenhista, quadrinista e ilustradora). Não tenho interesse nenhum em saber o que é criptomoeda ou inteligência artificial. Não tenho interesse em NFTs. Só assisto YouTube porque tem os canais que eu gosto. Fico ali na minha bolha. Não preciso saber sobre o festival X com o DJ Y que tem um show não sei onde.

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