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Professor de Finanças do Insper. Fatos, dados e histórias do mundo do dinheiro

Risco e Recompensa – Parte II

Entenda como os eventos marcantes da História moldaram a forma como os mercados financeiros evoluíram para gerenciar riscos

Por Ricardo Humberto Rocha
13 ago 2024, 17h21

“Quando se inicia um movimento especulativo, muitos abandonam o espírito de cautela e se deixam levar pelo entusiasmo” Leo Melamed, ex-presidente da CME

A história dos mercados financeiros é repleta de marcos significativos que moldaram a forma como entendemos e gerenciamos o risco. Após a Segunda Guerra Mundial, dois eventos fundamentais reestruturaram o sistema financeiro internacional: o Plano Marshall e a Conferência de Bretton Woods.

O Acordo de Bretton Woods e o Padrão Ouro

A Conferência de Bretton Woods, realizada em julho de 1944, reuniu 44 países aliados em Bretton Woods, New Hampshire, com o objetivo de criar um sistema financeiro internacional que promovesse estabilidade econômica. O resultado foi a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, além de um sistema de taxas de câmbio fixas em que o dólar americano era atrelado ao ouro, e outras moedas eram atreladas ao dólar. Esse sistema ajudou a estabilizar as economias do pós-guerra e facilitou o comércio internacional.

No entanto, ao longo das décadas de 1950 e 1960, começaram a surgir tensões dentro do sistema de Bretton Woods. Os Estados Unidos, enfrentando déficits crescentes e inflação, começaram a emitir mais dólares do que podiam cobrir com suas reservas de ouro. Em 1971, o presidente Richard Nixon anunciou a suspensão da conversibilidade do dólar em ouro, um evento conhecido como o “Nixon Shock”. Esse movimento marcou o fim do sistema de Bretton Woods e a transição para um regime de taxas de câmbio flutuantes.

O Surgimento dos Derivativos Modernos

Com o colapso do sistema de Bretton Woods, o mundo entrou em uma era de maior volatilidade nas taxas de câmbio e nos preços das commodities. Para mitigar esses riscos, os mercados financeiros começaram a desenvolver novos instrumentos. Foi nesse contexto que os contratos de derivativos ganharam proeminência.

Os derivativos, instrumentos financeiros cujo valor deriva de um ativo subjacente, já existiam há séculos, mas foi nos anos 1970 que eles se tornaram ferramentas cruciais para a gestão de risco. A Chicago Mercantile Exchange (CME), que anteriormente focava em contratos agrícolas, começou a expandir sua oferta para incluir contratos financeiros, como futuros de moedas e taxas de juros.

A Expansão da CME e os Derivativos Financeiros

A Chicago Mercantile Exchange (CME), fundada em 1898, foi inicialmente um mercado de contratos agrícolas. No entanto, na década de 1970, sob a liderança visionária de Leo Melamed, a CME passou por uma transformação significativa. Em 1972, a CME criou o International Monetary Market (IMM), lançando o primeiro contrato futuro de moedas. Essa inovação permitiu que investidores e empresas protegessem seus investimentos contra a volatilidade cambial, marcando o início da era dos derivativos financeiros modernos.

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O sucesso do IMM abriu caminho para a introdução de uma ampla gama de produtos financeiros derivativos, incluindo futuros de taxas de juros, índices de ações e outros ativos financeiros. Esses instrumentos se tornaram essenciais para a gestão de risco e a especulação nos mercados financeiros globais.

O Choque do Petróleo de 1973 e a Guerra do Yom Kippur

A década de 1970 foi marcada por grandes turbulências geopolíticas que afetaram profundamente os mercados financeiros. Em outubro de 1973, a Guerra do Yom Kippur eclodiu quando uma coalizão de nações árabes liderada pelo Egito e pela Síria lançou um ataque-surpresa contra Israel. Em resposta ao apoio ocidental a Israel, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) impôs um embargo de fornecimento aos Estados Unidos e outros países ocidentais.

O embargo resultou em um aumento drástico dos preços da matéria-prima, conhecido como o Choque do Petróleo de 1973. Os preços quadruplicaram, levando a uma grave crise energética que desencadeou uma recessão global. A volatilidade nos mercados de energia destacou a necessidade urgente de instrumentos financeiros que pudessem ajudar a gerenciar esses riscos.

A Resposta dos Mercados Financeiros

A crise do petróleo de 1973 e a subsequente volatilidade nos mercados de energia aceleraram o desenvolvimento e a adoção de contratos futuros de energia. A CME e outras bolsas começaram a oferecer contratos futuros de petróleo, permitindo que empresas e investidores se protegessem contra as flutuações dos preços da commodity. Essa inovação foi crucial para estabilizar os mercados e proporcionar um mecanismo para a gestão de risco.

A Quebra dos Bancos Americanos nos Anos 1980

Os anos 1980 foram um período tumultuado para o setor bancário dos Estados Unidos. A crise das instituições de poupança e empréstimo (Savings and Loan Crisis) resultou na falência de mais de mil financeiras. Essas instituições enfrentaram graves problemas devido à desregulamentação, empréstimos imprudentes e o aumento das taxas de juros, que corroeram o valor dos seus ativos.

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O Plano Brady

Em resposta à crise da dívida latino-americana dos anos 1980, o Plano Brady foi introduzido em 1989 pelo então secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Nicholas Brady. O plano foi projetado para reestruturar a dívida dos países em desenvolvimento, principalmente na América Latina, e entre eles o Brasil, que estavam lutando com dificuldades para pagar suas dívidas externas.

Objetivo: Reduzir a carga da dívida e restaurar a sustentabilidade econômica dos países devedores.

Medidas: Conversão de dívida existente em novos títulos, conhecidos como Brady Bonds, com redução do valor nominal ou extensão dos prazos de pagamento.

Impacto: O plano ajudou a estabilizar as economias de países em desenvolvimento e restaurou a confiança dos investidores nos mercados emergentes.

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Acordos de Basileia e a Regulamentação Bancária

Os anos 1980 e 1990 foram marcados por crises financeiras que ressaltaram a necessidade de uma regulamentação mais rigorosa no setor bancário. Em resposta a essas crises, os Acordos de Basileia, uma cidade suíça, foram desenvolvidos pelo Comitê de Basileia para Supervisão Bancária.

Basileia I (1988)

Objetivo: Estabelecer uma base mínima de requisitos para os bancos, garantindo que eles tivessem capital suficiente para cobrir os riscos de crédito.

Medidas: Introduziu o conceito de “razão de capital”, exigindo que os bancos mantivessem um capital mínimo de 8% dos seus ativos ponderados pelo risco.

Impacto: Aumentou a estabilidade do sistema bancário, assegurando que os bancos tivessem uma almofada de capital para absorver perdas inesperadas.

Basileia II (2004)

Objetivo: Melhorar a regulamentação introduzida por Basileia I, abordando não apenas o risco de crédito, mas também os riscos de mercado e operacionais.

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Medidas: Estruturadas em três pilares, Requisitos de Capital Mínimo, Revisão de Supervisão e Disciplina de Mercado.

Pilar 1: Requisitos mínimos de capital mais refinados.

Pilar 2: Supervisão regulatória para garantir que os bancos tivessem processos internos adequados de avaliação dos seus riscos.

Pilar 3: Transparência e divulgação para fortalecer a disciplina de mercado.

Impacto: Incentivou uma gestão de risco mais sofisticada e uma maior transparência nos bancos.

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Basileia III (2010)

Objetivo: Fortalecer ainda mais a regulamentação dos bancos após a crise financeira de 2008, aumentando a resiliência do sistema bancário.

Medidas: Introduziu requisitos de capital mais rigorosos, índices de liquidez e um índice de alavancagem.

Capital de Qualidade Superior: Aumentou a exigência de capital próprio dos bancos. 

Índices de Liquidez: Criou o Índice de Cobertura de Liquidez (LCR) e o Índice de Financiamento Estável Líquido (NSFR) para garantir que os bancos mantivessem níveis adequados de liquidez.

Índice de Alavancagem: Limitou o uso excessivo de dívidas.

Impacto: Aumentou significativamente a resiliência e a estabilidade dos bancos globais, reduzindo a probabilidade de crises financeiras futuras.

A Securitização e a Crise do Subprime

A securitização, o processo de transformar ativos financeiros (como hipotecas) em títulos negociáveis, desempenhou um papel central na crise do subprime. Essa prática permitiu que os bancos vendessem suas hipotecas a investidores, transferindo o risco de crédito. No entanto, a busca por altos retornos levou à concessão de empréstimos de alto risco (subprime) a mutuários com baixa capacidade de pagamento.

O Papel do Fed na Crise Financeira

O Federal Reserve (Fed), banco central americano, desempenhou um papel crucial tanto na origem quanto na resposta à crise financeira de 2007-2008.

 O Fed agiu rapidamente para fornecer liquidez ao sistema financeiro, reduzindo as taxas de juros e implementando diversas ferramentas para garantir que os bancos tivessem acesso a fundos.

Supervisão e Regulação: Após a crise, o Fed assumiu um papel mais ativo na supervisão e na regulação do sistema financeiro, implementando novas regras para fortalecer a resiliência dos bancos.

Reflexões e Lições

A crise do subprime destacou a importância da gestão de risco e da regulamentação financeira. Ela mostrou como a inovação financeira, embora poderosa, pode levar a consequências catastróficas se não for devidamente gerida. Desde então, reguladores têm trabalhado para implementar reformas que visem aumentar a transparência e a resiliência dos mercados financeiros.

Os Acordos de Basileia continuam a evoluir para enfrentar novos desafios e riscos emergentes, reafirmando a necessidade de uma supervisão constante e rigorosa do sistema bancário global.

Neste artigo, leitor de VEJA e VEJA NEGÓCIOS, exploramos a jornada desde o fim do padrão ouro até a crise do subprime, passando pelo crescimento dos mercados de derivativos e os esforços de regulamentação bancária. Essa história é um testemunho de como os mercados financeiros evoluíram para gerenciar riscos, mas também um lembrete das responsabilidades que acompanham a inovação financeira. Em breve vamos falar das Fintechs.

A história continua…

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