Quarta-Feira de Cinzas, 17 de fevereiro de 2021, começa a Quaresma, tempo de meditação. Período mais que propício para a histórica decisão do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade de seus 11 membros, de referendar e manter na cadeia o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), preso na véspera pela Polícia Federal por ordem do ministro Alexandre de Moraes. Com a palavra a Câmara Federal para decidirá se manda soltar o “Daniel de que?” (na sintomática expressão do presidente da corte suprema de Justiça, Luiz Fux) – pondo mais gás na fogueira acesa no último dia do carnaval, fortalecendo o bolsonarismo desvairado, – ou se desdobra em panos quentes para apagar o fogo que se alastra. Perigosamente e em muitas direções.
A provocação na política, nos governos e nas relações pessoais, por princípio, é sempre (ou quase) uma linha tênue e imperceptível entre a crítica democrática, – necessária à convivência salutar dos regimes e dos indivíduos em sociedade – e a agressão ameaçadora e ofensiva às autoridades constituídas e às instituições, que as democracias verdadeiras não podem tolerar sob pena de, irremediavelmente, desaguar no caos e na anarquia destrutiva. Quem viu ou sofreu na pele os anos loucos pré – ditadura militar, de 1964, ou o período do AI-5, em 1968, sabe bem do que fala o jornalista: de gente estranha e suspeita, surgida do nada, não se sabe como nem de onde. Como no caso deste deputado e seus vídeos provocadores, postados e mantidos nas redes sociais até o “parlamentar das cavernas ( ou das casernas?)” ser preso, em flagrante delito, por ação do ministro.Este é o fato, Sua Excelência O Fato, de que falava o estadista Charles de Gaulle.
A largada para o que viria a seguir, no fim do pseudo carnaval deste ano, começou num vale-tudo – com “cascas de bananas” jogadas para eventuais escorregos, distribuição de favores, cargos e até partilhas de nacos do poder federal, em ministérios de orçamentos multibilionários – entre o Palácio do Planalto e as duas casas do Congresso (de cabeças cortadas entregues de bandeja, segundo protesto do ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia). A senadora Simone Tebet (MDB) também denunciou a disputa desleal e desproporcional, na correlação de forças, sem princípios ou respeito às regras e praxes partidárias e parlamentares.
Na escalada provocadora entra, também, a folia do presidente Jair Bolsonaro e seu bloco de familiares, amigos e integrantes do Centrão, que deixaram Brasília para promover desacatos em Santa Catarina, em desrespeito ao bom senso, normas de convivência democrática e até sanitárias em tempo de pandemia que se alastra, mortífera, no País. Entre banhos de mar, passeios de barco, pescarias e aglomerações nas praias, promoveu sessões de esculachos contra “as esquerdas”, ao ex-colega Lula e ao governador João Dórea (SP). Atacou de forma grosseira e intolerante a imprensa e os jornalistas, seus atuais alvos e exaltou sua ideia fixa de continuar no Palácio da Alvorada em 2022.
Das provocações, chegamos aos crimes que levaram o deputado Daniel à cadeia e à grave crise política e institucional que ameaça desabar sobre o Brasil, a depender dos próximos passos e atitudes. O comando da Câmara dos Deputados enfrenta seu primeiro e grande impasse. A ver.
Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail: vitors.h@uol.com.br