Dois tsunamis – e não um apenas, como previu o mandatário brasileiro na semana passada (sem consultar direito os mapas dos sinais sísmicos) – entraram, de repente, no radar do presidente da República: o mais próximo são as manifestações de rua em apoio às reformas governamentais, convocadas para este domingo, 26, em todo País. Delas, o atual chefe do Palácio do Planalto e aliados esperam obter um estimulante efeito favorável, sobre o ânimo da sociedade, em favor da continuidade da aplicação do projeto governista liberal conservador, vencedor nas urnas. Ou, no mínimo, que as marchas que se anunciam, representem um recado contundente contra aventureiras tentações de “virada de mesa” (a expressão é de JR Guzzo, no Twitter), que aqui e ali se proclamam, em geral, procedentes de privilegiados grupos corporativistas mal camuflados.
O outro, mais distante, mas não menos preocupante – segundo reconhecimento explicito do próprio presidente, ao comparar Buenos Aires com Caracas, em fala para empresários e políticos, na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, Firjan,– é a ascensão da senadora peronista e ex-mandatária, por duas vezes, na Casa Rosada, Cristina Kirchner, nas pesquisas presidenciais na Argentina. A viúva de Néstor Kirchner começa a ameaçar seriamente a reeleição do liberal Maurício Macri. Este sinal de mudança dos ventos já entrou, também, há algum tempo, no radar pessoal de Jair Bolsonaro e nos sismógrafos espalhados pelo Itamaraty, em Buenos Aires e redondezas.
No discurso na Firjan, Bolsonaro acusou o abalo, ao falar sobre a relação do Brasil com outros países da América do Sul. “A Argentina parece estar voltando para as mãos da senhora Cristina Kirchner”, alertou. Para ele, este seria o pior dos mundos na América Latina. Pior até que o caos comandado por Maduro, na Venezuela. “Vamos ter outra Venezuela ao sul da América do Sul?”, perguntou. Esta preocupação, de Brasília, foi reforçada pelo governador da província de Buenos Aires, Alfredo Cornejo, presidente da União Cívica Radical – UCR, principal partido de oposição ao peronismo no país vizinho.
“ És una nueva trampa de Cristina” (uma nova jogada de Cristina) qualificou ele a decisão da cúpula peronista, de que a atual senadora, ré em processo de corrupção, será vice na chapa do partido encabeçada por Fernandez. Cornejo vê na manobra, mal dissimulada tentativa de repetir, na história política da Argentina, o caso Hector Câmpora/Isabelita, no começo dos anos 70, que abriu caminho para Juan Domingo Peron retornar do exílio e retomar o mando nas margens do Prata.
Neste caso, ninguém me contou, eu estava lá, eu vi. Na companhia do saudoso amigo e compadre Pedro Milton de Brito, – duas vezes presidente da OAB/Ba, brilhante e digno ex-conselheiro da OAB nacional – andando pelas ruas de Buenos Aires grafitadas com o apelo: “Vuelva, Peron”. Estivemos, em San Andrés de Gilles, no primeiro e monumental comício da chapa Câmpora/Isabelita. Câmpora derrotou Raul Alfonsin, assumiu a Casa Rosada, anistiou Domingo Peron, em seguida renunciou e Isabelita assumiu a presidência, promovendo o retorno do marido, do exílio, e ao mando. Depois é o que se sabe e o que se viu, e vale sempre lembrar. Pena que o espaço acabou. Conto mais depois, porque esta historia da trampa Fernandez-Cristina tem tudo para render na Argentina e no sul do continente. Façam apostas.
Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail: vitors.h@uol.com.br